Pagina

Pesquisar

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

ADESÃO A AÇÃO COLETIVA, POSTERIOR DESISTÊNCIA, É POSSÍVEL?


ADESÃO A AÇÃO COLETIVA, POSTERIOR DESISTÊNCIA, É POSSÍVEL?

Trata-se muito na doutrina do procedimento comum, do procedimento de execução, os recursos, mas pouco se fala e se estuda sobre o processo civil coletivo.  Há cursos de processo civil que se quer tratam do processo coletivo. Nas faculdades o quadro é pior. Em verdade, o tema é importantíssimo consoante nossa “evolução” judicial.

Como sabemos, nosso sistema judicial é uma verdadeira mistura do Civil Law, com Common Law. Tudo isso “abrasileirado” por constantes alterações legislativas que transformam o sistema judicial em uma genuína “ colcha de retalhos”.

 Como se sabe, após a emenda 45 os precedentes judiciais ganham outro patamar no sentido do poder de regulação. É bem verdade também que há juízes de primeiro e segundo grau que ainda são arredios ao cumprimento integral dos precedentes, preferindo que suas decisões sejam reformadas a curvar-se a alguns precedentes.

Os precedentes e sua vinculação nada mais são que uma tentativa de primeiro, uniformizar o “dizer o direito” da parte. Em segundo, visa evitar o ingresso e processamento de ações que já tem solução pacífica perante o Poder Judiciário. Então, podemos dizer que se trata de solução abstrata que ganhar contornos coletivos por sua vinculação.

Mas, é sabido também, que há um processo coletivo, independente, e de regras próprias. O qual se fosse encorajado, evitaria infindáveis demandas individuais que chegaram em tese ao mesmo ponto que uma demanda coletiva.
Contudo, é direito da parte aderir ou não a uma demanda coletiva. Optando por aderir, seu processo individual ficará suspenso para posteriormente servir como processo de execução da eventual sentença coletiva (conversão do feito) ou procedimento de liquidação. 

O ponto que nos chama atenção é a possibilidade (ou não) de desistir-se da adesão e retomar o andamento do processo individual paralisado/suspenso. Primeiro, devemos ter em conta que a adesão ao processo coletivo é solene nos autos do processo individual. O artigo 104 do CDC é bem elucidativo: “Art. 104 – “...não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. ”

 Estamos a tratar do princípio da integral liberdade de adesão ao processo coletivo. No qual, o indivíduo litigante individualmente deixará de exercer seu protestativo direito de ação, para unir-se a uma ação coletiva proposta por um dos atores legitimados que o represente. Perceba-se que se fala em “liberdade”. Isto porque, como dito, no art. 104 do CDC pode o indivíduo deixar de fazê-lo livremente. Quando não aderindo seguirá sua causa individual em continuidade e finalidade da prestação jurisdicional.

Consoante este apontamento, perceba que o indivíduo em nenhum momento é coagido ou forçado a aderir ao pleito coletivo. Por outro lado, parece bem razoável não querer permanecer no pleito coletivo. Os motivos determinantes pouco importam, pois para nenhuma parte envolvida haverá prejuízo.

Vamos a um exemplo. Imagine-se aderir a uma ação, e depois desentender-se com a entidade representativa, tornando-se insuportável a tratativa das questões atinentes ao processo coletivo. Bem, estamos diante de uma causa a meu sentir que poderia dar azo a desvinculação ao pleito coletivo.

Contudo, não parece ser acertado impor razões para desvinculação da ação coletiva. A desvinculação se dá justamente pela LIBERDADE da adesão. Certamente já se ouviu dizer quem pode mais, pode menos. Ora se há liberdade para aderir, há liberdade para deixar. Perceba-se que se trata de uma questão de escolha (liberdade). Desta forma, tomando por empréstimo as palavras dos Professores: Dr. Fredie Didier Jr, e Hermes Zanet Jr, que assentam:

“Outra questão diz respeito à possibilidade de revogação do pedido de suspensão em razão do arrependimento do indivíduo. Antonio Gidi entende ser possível tal revogação. A princípio não há óbice a essa possibilidade, mas, para que seja possível aceitá-la nos limites do devido processo, ela deverá ser devidamente informada em ambas as demandas (individual e coletiva), já que ao exercer a revogação a parte individual estará renunciando aos benefícios de eventual tutela favorável. ” Didier Jr Fredie, Curso de direito processual Civil: Processo coletivo, 12ª Edição, 2018, Salvador, JusPodivm, Página: 185.

Diante dessa caríssima lição, revela-se a possibilidade de retomada da marcha processual individual ordinária[1]. Concatenado a tudo que aqui fora tratado, há de se destacar ainda, que essa desvinculação possui a nosso sentir uma limitação conforme ensina o mestre Fredie Didier Jr, qual seja o trânsito em julgado da ação coletiva.

Explica-se. Havendo a adesão na ação coletiva a desvinculação somente pode ocorrer antes do trânsito em julgado. Isso porque, de forma lógica advindo o trânsito em julgado da sentença vinculará em definitivo àquele pronunciamento judicial coletivo. Nesse mote, tona-se impossível rediscutir na ação judicial individual os fatos e direitos já objeto do contraditório e cobertos pela imutabilidade do julgado.

Faz-se um apontamento que seria a situação fática do requerimento de desvinculação tenha se dado antes do trânsito em julgado, mas o Magistrado só deferiu o pleito após a certificação do transito em julgado da ação coletiva.

Vale destacar, que nesse caso vale a data do requerimento, pois anterior ao trânsito em julgado, e a saída do requerente em nada afetará o processo coletivo ou o processo individual. Destaca-se que o que não pode ocorrer é APÓS o trânsito ocorrer o requerimento de desvinculação, sob pena de ofensa a coisa julgada e a segurança jurídica.   

Devo apontar outro limitador que é o da preclusão. A saber que a adesão deve se dar 30 dias da ciência da existência da ação coletiva. Inobstante a isso, a desistência da adesão somente pode ser feita uma vez, para evitar a ida e vinda do processo em paralisação. O limitador é cabível a teor do art. 3º do CPC para preservar a razoável duração do processo, economicidade e efetividade.

 Também há um limitador formal baseado na boa-fé processual, que é a necessidade de notificar a parte que não compõe a lide individual. N’outra quadra, é desnecessária a notificação da parte adversa que compõe a lide individual, pois, uma vez que é parte e possui acesso a petição, e o fato da retomada processual em nada o prejudica.

Em suma, no nosso singelo entendimento é possível de descompatibilizar-se de uma ação coletiva e retomar o curso da individual por meio da desistência. Isto em homenagem ao princípio da liberdade de adesão coletiva, amplo acesso à justiça, razoável duração do processo, direito a jurisdição, entre outros.


[1] À guisa de registro histórico, aponta-se ser este um antigo e pacifico entendimento doutrinário a saber que na edição 5ª, do mesmo livro de tutelas coletivas, às páginas 183 revela-se o mesmo entendimento deferindo a possibilidade de retomada processual individual. Porém, a obra em comento é datada de 2010, portanto, ainda na égide do Código processual de 1973.