ADESÃO A AÇÃO COLETIVA, POSTERIOR DESISTÊNCIA, É POSSÍVEL?
Trata-se muito na doutrina do
procedimento comum, do procedimento de execução, os recursos, mas pouco se fala
e se estuda sobre o processo civil coletivo. Há cursos de processo civil que se quer tratam
do processo coletivo. Nas faculdades o quadro é pior. Em verdade, o tema é
importantíssimo consoante nossa “evolução” judicial.
Como sabemos, nosso sistema
judicial é uma verdadeira mistura do Civil
Law, com Common Law. Tudo isso “abrasileirado”
por constantes alterações legislativas que transformam o sistema judicial em
uma genuína “ colcha de retalhos”.
Como se sabe, após a emenda 45 os precedentes
judiciais ganham outro patamar no sentido do poder de regulação. É bem verdade
também que há juízes de primeiro e segundo grau que ainda são arredios ao
cumprimento integral dos precedentes, preferindo que suas decisões sejam
reformadas a curvar-se a alguns precedentes.
Os precedentes e sua vinculação
nada mais são que uma tentativa de primeiro, uniformizar o “dizer o direito” da
parte. Em segundo, visa evitar o ingresso e processamento de ações que já tem
solução pacífica perante o Poder Judiciário. Então, podemos dizer que se trata
de solução abstrata que ganhar contornos coletivos por sua vinculação.
Mas, é sabido também, que há
um processo coletivo, independente, e de regras próprias. O qual se fosse
encorajado, evitaria infindáveis demandas individuais que chegaram em tese ao
mesmo ponto que uma demanda coletiva.
Contudo, é direito da parte aderir ou não a uma demanda coletiva. Optando por aderir, seu
processo individual ficará suspenso
para posteriormente servir como processo de execução da eventual sentença
coletiva (conversão do feito) ou procedimento de liquidação.
O ponto que nos chama atenção
é a possibilidade (ou não) de desistir-se da adesão e retomar o andamento do
processo individual paralisado/suspenso. Primeiro, devemos ter em conta que a
adesão ao processo coletivo é solene nos autos do processo
individual. O artigo 104 do CDC é bem elucidativo: “Art. 104 – “...não beneficiarão os autores das ações individuais, se
não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência
nos autos do ajuizamento da ação coletiva. ”
Estamos a tratar do princípio da integral liberdade de adesão ao processo
coletivo. No qual, o indivíduo litigante individualmente deixará de exercer
seu protestativo direito de ação, para unir-se a uma ação coletiva proposta por
um dos atores legitimados que o represente. Perceba-se que se fala em
“liberdade”. Isto porque, como dito, no art. 104 do CDC pode o indivíduo deixar
de fazê-lo livremente. Quando não aderindo seguirá sua causa individual em
continuidade e finalidade da prestação jurisdicional.
Consoante este apontamento,
perceba que o indivíduo em nenhum momento é coagido ou forçado a aderir ao
pleito coletivo. Por outro lado, parece bem razoável não querer permanecer no
pleito coletivo. Os motivos determinantes pouco importam, pois para nenhuma
parte envolvida haverá prejuízo.
Vamos a um exemplo. Imagine-se
aderir a uma ação, e depois desentender-se com a entidade representativa,
tornando-se insuportável a tratativa das questões atinentes ao processo
coletivo. Bem, estamos diante de uma causa a meu sentir que poderia dar azo a
desvinculação ao pleito coletivo.
Contudo, não parece ser
acertado impor razões para desvinculação da ação coletiva. A desvinculação se
dá justamente pela LIBERDADE da adesão. Certamente já se ouviu dizer
quem pode mais, pode menos. Ora se há liberdade para aderir, há liberdade para
deixar. Perceba-se que se trata de uma questão de escolha (liberdade). Desta
forma, tomando por empréstimo as palavras dos Professores: Dr. Fredie Didier
Jr, e Hermes Zanet Jr, que assentam:
“Outra questão diz respeito à possibilidade de
revogação do pedido de suspensão em razão do arrependimento do indivíduo.
Antonio Gidi entende ser possível tal revogação. A princípio não há óbice a
essa possibilidade, mas, para que seja possível aceitá-la nos limites do devido
processo, ela deverá ser devidamente informada em ambas as demandas (individual
e coletiva), já que ao exercer a revogação a parte individual estará
renunciando aos benefícios de eventual tutela favorável. ” Didier Jr
Fredie, Curso de direito processual Civil: Processo coletivo, 12ª Edição, 2018,
Salvador, JusPodivm, Página: 185.
Diante dessa caríssima lição,
revela-se a possibilidade de retomada da marcha processual individual ordinária[1].
Concatenado a tudo que aqui fora tratado, há de se destacar ainda, que essa
desvinculação possui a nosso sentir uma limitação conforme ensina o mestre
Fredie Didier Jr, qual seja o trânsito em julgado da ação coletiva.
Explica-se. Havendo a adesão
na ação coletiva a desvinculação somente pode ocorrer antes do trânsito em
julgado. Isso porque, de forma lógica advindo o trânsito em julgado da sentença
vinculará em definitivo àquele pronunciamento judicial coletivo. Nesse mote,
tona-se impossível rediscutir na ação judicial individual os fatos e direitos já
objeto do contraditório e cobertos pela imutabilidade do julgado.
Faz-se um apontamento que
seria a situação fática do requerimento de desvinculação tenha se dado antes do
trânsito em julgado, mas o Magistrado só deferiu o pleito após a certificação
do transito em julgado da ação coletiva.
Vale destacar, que nesse caso
vale a data do requerimento, pois anterior ao trânsito em julgado, e a saída do
requerente em nada afetará o processo coletivo ou o processo individual.
Destaca-se que o que não pode ocorrer é APÓS o trânsito ocorrer o requerimento
de desvinculação, sob pena de ofensa a coisa julgada e a segurança jurídica.
Devo apontar outro limitador
que é o da preclusão. A saber que a adesão deve se dar 30 dias da ciência da
existência da ação coletiva. Inobstante a isso, a desistência da adesão somente
pode ser feita uma vez, para
evitar a ida e vinda do processo em paralisação. O limitador é cabível a teor
do art. 3º do CPC para preservar a razoável duração do processo, economicidade
e efetividade.
Também há um limitador formal baseado na
boa-fé processual, que é a necessidade de notificar a parte que não compõe a
lide individual. N’outra quadra, é desnecessária a notificação da parte adversa
que compõe a lide individual, pois, uma vez que é parte e possui acesso a
petição, e o fato da retomada processual em nada o prejudica.
Em suma, no nosso singelo
entendimento é possível de descompatibilizar-se de uma ação coletiva e retomar
o curso da individual por meio da desistência. Isto em homenagem ao princípio
da liberdade de adesão coletiva, amplo acesso à justiça, razoável duração do
processo, direito a jurisdição, entre outros.
[1] À
guisa de registro histórico, aponta-se ser este um antigo e pacifico entendimento
doutrinário a saber que na edição 5ª, do mesmo livro de tutelas coletivas, às
páginas 183 revela-se o mesmo entendimento deferindo a possibilidade de
retomada processual individual. Porém, a obra em comento é datada de 2010,
portanto, ainda na égide do Código processual de 1973.