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domingo, 25 de outubro de 2020

Nunca deixe de fazer uma sustentação oral no julgamento.

 



Atualmente, com a digitalização processual, a “rapidez” em que se busca resultado, torna os advogados a uma condição automática de edição de petições. É bem verdade que nosso sistema judicial privilegia a manifestação documental.  Contudo, no meu sentir nada substitui o olho no olho e uma “boa conversa”.

 

Os próprios advogados ao serem perguntados se farão a sustentação oral da defesa respondem : Para que? O desembargador, o ministro já está com o voto pronto. O processo já está julgado. Infelizmente isso é verdade. O voto já vem pronto. Contudo, o voto é proferido por um ser humano e convencível, quiçá sua argumentação pode motivar um pedido de vista.

 

Aos olhos do cliente, quando vê o advogado sustentando seu processo se sente defendido. Se sente representado. Afinal,  cliente não lê, e muito das vezes, não entende os termos jurídicos do processo. Entretanto, quando vê o advogado defendendo de tribuna seu lado da história em julgamento a visão é outra. É por esse motivo que além de cravar uma possibilidade de um exame melhor da causa, a sustentação oral tem o condão de levantar o animo do cliente. A sustentação oral tem o poder de fazer o cliente sentir-se verdadeiramente representado.

 

Num outro viés, a sustentação oral valoriza o próprio advogado, impõe que este seja ouvido pela Corte.  Há episódios tristes em que o juiz no meio da sustentação fica no celular outros até cochilam. Não desista! Aumente o tom, acorde o dorminhoco, faça-se visível. Se a advocacia fosse atividade fácil, não seria um ramo essencial do Direito.  Portanto, nunca deixe de fazer sua sustentação.  Nosso sistema é a jabuticaba, não é nem oral nem documental. Até os juizados que deferiam ser regidos pela oralidade se renderam as infindáveis peças.

 

Estamos caminhando para um novo modelo, o modelo digital. Valorizando as manifestações do Advogado em sustentação oral, valorizar-se-á a presença dele como verdadeiro ator processual. Se reduzirmos nossa participação a simples petições e repetições de julgados, em breve teremos robôs que nos substituirão.

Portanto, não deixe de fazer sua sustentação oral! É o único momento que você pode ser você. Na petição suas palavras são condicionadas a citação de doutrina ou jurisprudências. Muito dos casos lastimavelmente só há a reprodução de palavras de terceiros. A sustentação impõe e permite que o advogado informe a corte o seu sentir, seu juízo, sua visão da matéria. É por esse motivo que fazer a sustentação é tão importante.  Faça sustentação. Não decline!

 Por Artur Félix 

terça-feira, 15 de setembro de 2020

A VACINA É OBRIGATÓRIA?

 

Nos últimos dias se levantou a questão: A vacina é obrigatória? O ponto nevrálgico se apoia na liberdade de escolher o melhor tratamento de saúde.  Pois bem, essa questão não é nova tivemos a revolta contra a vacina anti-varíola, ocorrida no Rio de Janeiro, em novembro de 1904. O médico sanitarista Osvaldo Cruz na época foi nos termos de hoje “cancelado” por impor a população a vacinação compulsória.  A impressa não perdoava:

Oswaldo Cruz como "esfolador" do Zé Povo

Naquele tempo os funcionários da saúde eram escoltados por policiais sob pena de serem agredidos pela população enfurecida contra a vacina compulsória. Segundo a professora de história Juliana Bezerra:O centro do Rio de Janeiro foi transformado numa praça de guerra com bondes derrubados, edifícios depredados e muita confusão na Avenida Central (atual Avenida Rio Branco). A revolta popular teve o apoio de militares que tentaram usar a massa insatisfeita para derrubar, sem sucesso, o presidente Rodrigues Alves. O movimento rebelde foi dominado pelo governo, que prendeu e enviou algumas pessoas para o Acre. Em seguida, a Lei da Vacina Obrigatória foi modificada, tornando facultativo o seu uso.”[1]

Bem, parece que pouca coisa mudou no sentido social e no sentido intelectual de muitas pessoas. Contudo, há de se fazer uma dissemelhança com foco jurídico a saber que estamos sob a égide de uma nova constituição, a Carta de 1988. Outrossim, há uma constitucionalização do direito privado no sentido de em alguns casos para sobrepor este prevalecendo o interesse público.  A Carta Constitucional de 1988 em seu artigo 196 assevera:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado

 Perceba -se que há um interesse público geral a ser observado quando da implantação de políticas públicas na área de saúde. Nessa linha, observa-se que como dever do Estado este DEVE implementar políticas públicas condizentes cientificamente para reduzir riscos de doenças, proteção e recuperação destas. Tal preceito é complementado pela lei 8.080/90, em seu artigo 2º: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. (grifos nossos)

Bem, tendo essas balizas por norte o Estado ou quem exercer o poder tem a obrigação de garantir a saúde da população, bem como o acesso a esta. Retornemos a pergunta: A vacina é obrigatória? Talvez a pergunta seja: Se todos não tomares existe o risco para os demais? Com essa inversão do ponto de vista se pode perceber que prepondera o interesse geral sobre o interesse privado.

 A finalidade do poder público é erradicar determinada doença utilizando-se a vacinação como método. A carta de 1988 já determina o artigo 227, e a norma do artigo 14 da lei 8.069/90[2] aponta a obrigatoriedade da vacinação de crianças e adolescentes, nos casos indicados pelas autoridades sanitárias. Vejamos:

Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos.

§ 1 o É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.

No caso específico do COVI – 19 já há legislação, trata-se da lei 13.979/20[3],  que revela diante da pandemia medidas de saúde pública com a finalidade de conter a contaminação e propagação do CORONAVIRUS.  Vejamos:

Art. 3º  Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas:   (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)

 

I - isolamento;

 

II - quarentena;

 

III - determinação de realização compulsória de:

 

a) exames médicos;

 

b) testes laboratoriais;

 

c) coleta de amostras clínicas;

 

d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou

 

e) tratamentos médicos específicos;

 

Do ponto de vista jurídico, a vacina é obrigatória para proteção não só do individuo, mas também da sociedade que este compõe. O encorajamento a não vacinação pode configurar o rompimento do dever constitucional do artigo 196 da Constituição Federal.

 

Por Artur Félix

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Independência ou morte?

 

O título deste artigo é bem sugestivo e vem acompanhando os brasileiros por toda sua trajetória. Sempre a mesma pergunta: independência ou morte? Hoje, 7 de setembro de 2020. Em meio a pandemia de COVID-19, comemoramos a independência da colónia[1] do Brasil do reino de Portugal. Tivemos a tal revolução liberal em Lisboa que mandou de certa forma, a monarquia para colónia.

Todos sabemos o que ocorreu com a chegada da corte ao Rio de Janeiro, bem como com seu retorno a Portugal. Veio o tal “dia do fico” e depois tivemos o famoso grito da independência.  Que rendeu o tal quadro imponente que compartilho com vocês a imagem.

Obra de Pedro Américo ilustra o momento em que o Brasil se tornou independente

Muito historiadores dizem que não foi bem assim, mas já esta incorporado a nossa história como fato heroico. De lá para cá, sempre mantivemos a mesma pergunta: independência ou morte? Isso aconteceu com a abolição da escravidão, com a industrialização do Brasil, e hodiernamente vem a mesma pergunta: Independência ou morte? O(a) Covid – 19 nos impõe essa pergunta, o governo nos impõe a pergunta.

Como resultado da independência, o “povo do Brasil” teve garantidos alguns direitos como assevera a Constituição de 1824 : “Art. 1. O IMPERIO do Brazil é a associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outro laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independencia. (…) Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.  I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei.( …)     IV. Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar.”[3]

Posteriormente agora república adveio a constituição de 1891, bem mais complexa, um ensaio do que temos hoje como várias previsões que para muitos nem lá deveriam constar. Deveria ser feita por lei ordinária. Mas vale a pena reproduzir algo, permita-me: Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes: § 1º Ninguem póde ser obrigado a fazer, ou deixar fazer alguma cousa, senão em virtude de lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926) § 2º Todos são iguaes perante a lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)[4]

 

O que quero mostrar, é que todas essas constituições antigas e a atual, apontam como norte a liberdade e independência de um povo. No caso o povo brasileiro. A questão é: que se entende por independência? “Independência é a desassociação de um ser em relação a outro, do qual dependia ou era por ele dominado. É o estado de quem ou do que tem liberdade ou autonomia”[5].  Essa talvez seja a resposta curta, mais rápida. Contudo, a independência que gostaria que você, caro leitor refletisse é a sua.  Em um período em que você tem de ter (a todo o custo) uma opinião (sobre tudo) você já se perguntou se estás a exercer sua independência ou estás simplesmente repetindo o discurso pronto?

            Ter uma opinião passa por um exercício de independência e ou liberdade. Só quem tem o poder de fazer escolhas por si, e pensar “com seus botões” pode dizer que está caminhando para uma independência cultural, ideológica e humana. Você que está a ler essas linhas, não concorde com ela, critique-as, explore suas fraquezas, mas chegue a uma conclusão por si.  Certamente estará em um caminho de independência.

           Por outro lado, a independência e a liberdade, dá trabalho. Impõem aquele que almeja essas duas qualidades, o conhecer vários pontos de vista (sem preconceito) e a partir daí formar seu ponto de vista. Quanto ao ponto de vista, esse não pode ser imutável, pois se imitável for perderás igualmente sua independência de pensar e escolher.  Vale dizer, que a independência no sentido estrutural, essa mesmo que estou a exercer agora foi construída a duras penas. Com o sangue de muitos antecessores que queriam se expressas, que queriam mudanças no estado. Que buscavam um estado democrático.

           É por isso que te faço a pergunta: Independência ou morte? É claro que não no sentido histórico, mas no sentido atual. Qual preferes? Ser morto intelectualmente, aceitando tudo, sem ao menos analisar ou preferes ser independente e ter a liberdade de opinar com propriedade conforme sua consciência?  Alguns ideológicos absolutos podem se apropriar de símbolos de nossa independência política, mas jamais poderão roubar nossa independência de pensar, de observar e de decidir. Esse é meu ponto de vista que compartilho com vocês nesse dia especial que marca a independência política do brasil. Aguardamos é claro a independência intelectual de muitos brasileiros que seguem sem questionar como verdade absoluta esse ou aquele “líder”. “mas ponham à prova todas as coisas e fiquem com o que é bom” I Tessalonicenses 5:21

 Olá bom dia. 


Acredito que nosso blog irá misturar um pouco os assuntos. Eu sempre postei reflexões do Direito etc. Mas com os dias atuais tenho sentido a necessidade de apresentar meu ponto de vista referente ao Brasil. Referente aos caminhos que estamos tomando. 

Nem por um minuto se pode abandonar a defesa da constituição e do estado democrático de direito. 


Artur Félix

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

ADESÃO A AÇÃO COLETIVA, POSTERIOR DESISTÊNCIA, É POSSÍVEL?


ADESÃO A AÇÃO COLETIVA, POSTERIOR DESISTÊNCIA, É POSSÍVEL?

Trata-se muito na doutrina do procedimento comum, do procedimento de execução, os recursos, mas pouco se fala e se estuda sobre o processo civil coletivo.  Há cursos de processo civil que se quer tratam do processo coletivo. Nas faculdades o quadro é pior. Em verdade, o tema é importantíssimo consoante nossa “evolução” judicial.

Como sabemos, nosso sistema judicial é uma verdadeira mistura do Civil Law, com Common Law. Tudo isso “abrasileirado” por constantes alterações legislativas que transformam o sistema judicial em uma genuína “ colcha de retalhos”.

 Como se sabe, após a emenda 45 os precedentes judiciais ganham outro patamar no sentido do poder de regulação. É bem verdade também que há juízes de primeiro e segundo grau que ainda são arredios ao cumprimento integral dos precedentes, preferindo que suas decisões sejam reformadas a curvar-se a alguns precedentes.

Os precedentes e sua vinculação nada mais são que uma tentativa de primeiro, uniformizar o “dizer o direito” da parte. Em segundo, visa evitar o ingresso e processamento de ações que já tem solução pacífica perante o Poder Judiciário. Então, podemos dizer que se trata de solução abstrata que ganhar contornos coletivos por sua vinculação.

Mas, é sabido também, que há um processo coletivo, independente, e de regras próprias. O qual se fosse encorajado, evitaria infindáveis demandas individuais que chegaram em tese ao mesmo ponto que uma demanda coletiva.
Contudo, é direito da parte aderir ou não a uma demanda coletiva. Optando por aderir, seu processo individual ficará suspenso para posteriormente servir como processo de execução da eventual sentença coletiva (conversão do feito) ou procedimento de liquidação. 

O ponto que nos chama atenção é a possibilidade (ou não) de desistir-se da adesão e retomar o andamento do processo individual paralisado/suspenso. Primeiro, devemos ter em conta que a adesão ao processo coletivo é solene nos autos do processo individual. O artigo 104 do CDC é bem elucidativo: “Art. 104 – “...não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. ”

 Estamos a tratar do princípio da integral liberdade de adesão ao processo coletivo. No qual, o indivíduo litigante individualmente deixará de exercer seu protestativo direito de ação, para unir-se a uma ação coletiva proposta por um dos atores legitimados que o represente. Perceba-se que se fala em “liberdade”. Isto porque, como dito, no art. 104 do CDC pode o indivíduo deixar de fazê-lo livremente. Quando não aderindo seguirá sua causa individual em continuidade e finalidade da prestação jurisdicional.

Consoante este apontamento, perceba que o indivíduo em nenhum momento é coagido ou forçado a aderir ao pleito coletivo. Por outro lado, parece bem razoável não querer permanecer no pleito coletivo. Os motivos determinantes pouco importam, pois para nenhuma parte envolvida haverá prejuízo.

Vamos a um exemplo. Imagine-se aderir a uma ação, e depois desentender-se com a entidade representativa, tornando-se insuportável a tratativa das questões atinentes ao processo coletivo. Bem, estamos diante de uma causa a meu sentir que poderia dar azo a desvinculação ao pleito coletivo.

Contudo, não parece ser acertado impor razões para desvinculação da ação coletiva. A desvinculação se dá justamente pela LIBERDADE da adesão. Certamente já se ouviu dizer quem pode mais, pode menos. Ora se há liberdade para aderir, há liberdade para deixar. Perceba-se que se trata de uma questão de escolha (liberdade). Desta forma, tomando por empréstimo as palavras dos Professores: Dr. Fredie Didier Jr, e Hermes Zanet Jr, que assentam:

“Outra questão diz respeito à possibilidade de revogação do pedido de suspensão em razão do arrependimento do indivíduo. Antonio Gidi entende ser possível tal revogação. A princípio não há óbice a essa possibilidade, mas, para que seja possível aceitá-la nos limites do devido processo, ela deverá ser devidamente informada em ambas as demandas (individual e coletiva), já que ao exercer a revogação a parte individual estará renunciando aos benefícios de eventual tutela favorável. ” Didier Jr Fredie, Curso de direito processual Civil: Processo coletivo, 12ª Edição, 2018, Salvador, JusPodivm, Página: 185.

Diante dessa caríssima lição, revela-se a possibilidade de retomada da marcha processual individual ordinária[1]. Concatenado a tudo que aqui fora tratado, há de se destacar ainda, que essa desvinculação possui a nosso sentir uma limitação conforme ensina o mestre Fredie Didier Jr, qual seja o trânsito em julgado da ação coletiva.

Explica-se. Havendo a adesão na ação coletiva a desvinculação somente pode ocorrer antes do trânsito em julgado. Isso porque, de forma lógica advindo o trânsito em julgado da sentença vinculará em definitivo àquele pronunciamento judicial coletivo. Nesse mote, tona-se impossível rediscutir na ação judicial individual os fatos e direitos já objeto do contraditório e cobertos pela imutabilidade do julgado.

Faz-se um apontamento que seria a situação fática do requerimento de desvinculação tenha se dado antes do trânsito em julgado, mas o Magistrado só deferiu o pleito após a certificação do transito em julgado da ação coletiva.

Vale destacar, que nesse caso vale a data do requerimento, pois anterior ao trânsito em julgado, e a saída do requerente em nada afetará o processo coletivo ou o processo individual. Destaca-se que o que não pode ocorrer é APÓS o trânsito ocorrer o requerimento de desvinculação, sob pena de ofensa a coisa julgada e a segurança jurídica.   

Devo apontar outro limitador que é o da preclusão. A saber que a adesão deve se dar 30 dias da ciência da existência da ação coletiva. Inobstante a isso, a desistência da adesão somente pode ser feita uma vez, para evitar a ida e vinda do processo em paralisação. O limitador é cabível a teor do art. 3º do CPC para preservar a razoável duração do processo, economicidade e efetividade.

 Também há um limitador formal baseado na boa-fé processual, que é a necessidade de notificar a parte que não compõe a lide individual. N’outra quadra, é desnecessária a notificação da parte adversa que compõe a lide individual, pois, uma vez que é parte e possui acesso a petição, e o fato da retomada processual em nada o prejudica.

Em suma, no nosso singelo entendimento é possível de descompatibilizar-se de uma ação coletiva e retomar o curso da individual por meio da desistência. Isto em homenagem ao princípio da liberdade de adesão coletiva, amplo acesso à justiça, razoável duração do processo, direito a jurisdição, entre outros.


[1] À guisa de registro histórico, aponta-se ser este um antigo e pacifico entendimento doutrinário a saber que na edição 5ª, do mesmo livro de tutelas coletivas, às páginas 183 revela-se o mesmo entendimento deferindo a possibilidade de retomada processual individual. Porém, a obra em comento é datada de 2010, portanto, ainda na égide do Código processual de 1973. 

segunda-feira, 13 de julho de 2020

O papel se inverteu, somos servos do Estado, e buscamos a supremacia de seus interesses "Públicos"

Segurança jurídica, Leis de qualidade e um futuro jurídico previsível

Os últimos julgamentos do STF, quem vem trazendo reboliço no meio jurídico. Pelas manchetes fiquei aterrorizado ao saber que mesmo pendente de recurso a liberdade poderia ser provisoriamente tolida (prisão em segunda instância). Como que ao processado, a prisão fosse a regra e a liberdade a exceção. Mas como dizem o direito é dinâmico. Aprendi na faculdade com uma promotora (ferrenha) muito competente Drº Isabela, que o Princípio da presunção de inocência naquela época, agora princípio da não culpabilidade (artigo 5º, inciso LVII) era absoluto.

Daí conjugando aquelas palavras, com o que ia lendo, e vivendo cheguei a conclusão de que o promotor, o juiz, o advogado, em fim, todos! Não devem olhar para o réu como acusador, mas como uma espécie de "buscador, coletor" de justiça. Isso porque, considerando que a justiça que condena é a mesma que absolve. Contudo, após a decisão do Supremo - STF, minha tese que era realmente só minha, nem minha pode mais ser, pois superada pela palavra do guardião da Carta Maior.

Confesso que fiquei entristecido, pois foram tantas vidas perdidas para a conquista desse direito - garantia que agora se relativizaram a um "direito" e uso o "d" minusculo, pois recuso-me a conceber que o que foi conquistado a duras penas, e não só penas, foram: espadas, forças, fogueiras etc, se perda pela interpretação de um instituto que devia ser pétreo.

A qualquer um que se perguntar se o direito de viver á absoluto a resposta será sim! Todos temos o direito a viver. O mesmo ocorre quando com os demais direitos básicos. Todos tem direito de exerce-lo. Depois da afamada decisão do STF questiono o que é pétreo? Qual é a real proteção que tenho através da Constituição de 1988?

Aprendi, que a constituição era formada simples e basicamente por organização estatal e garantias individuais e coletivas. Isso com escopo supremo de reduzir o poder estatal, evitar que o cidadão seja massacrado pelo poder do estado. Ora, sabemos que há outros instrumentos processuais para manter alguém perigoso preso, o art. 312 do CPP é um exemplo. Porque não aperfeiçoar isso? E deixar a pecha de condenado para o trânsito em julgado.

Sempre preguei a relativização do poder estatal em detrimento do interesse realmente público. Esse interesse público que me refiro é aquele genuíno, não meia dúzia de pensamentos emanados de um político e que são executados sem que se busque realmente saber qual é o interesse público coletivo. No Brasil temos muita dificuldade de fazer algo a longo prazo, algo que passe de uma administração para outra temos "brasis" de quatro ou oito anos. Isso se reflete na qualidade legislativa e por consequência na qualidade de justiça que recebemos.

Temos hoje por assim dizer que há a inversão do interesse público, devemos atender ao interesse estatal, que ganha aos poucos espaços jurídicos importantes para intervir na vida do cidadão. O interesse "público" vai perdendo o objeto, e a máquina estatal se torna um monstro que precisa ser alimentado. Em outras palavras, o interesse que deveria emanar do povo, anseios, agruras etc são substituídas pela vontade de "plantão", aquilo que está em voga. Assim, direitos, proteções vão sendo suprimidos em nome de um estado passageiro e efêmero. Nossa constituição não foi feita para durar quatro ou oito anos. Precisamos de regras claras urgentemente.

 Esse atropelo a garantias percebi quando da permissão da troca de dados bancários com o fisco. O engraçado é que o TCU (órgão fiscalizador) não tem essa prerrogativa. Na verdade ninguém tem, até o juiz é limitado pela constituição federal. Só o fisco poderá faze-lo onipotente, e onisciente. O mais interessante de tudo é que a LEI COMPLEMENTAR Nº 105, DE 10 DE JANEIRO DE 2001 "revogou" ou melhor, mais tecnicamente relativizou uma clausula pétrea do artigo , incisos X e XII da CF/88. E eu que achava que a C. F. Era rígida ou super-rígida.

Perceba-se, não se busca defender a impunidade sob pena de termos um leão fiscal vorás sobre nós. A lei tributária é outro emaranhado de regras, normas, resoluções e por aí vai... Repita-se precisamos de segurança. Parece que o estado sempre quer avançar para te pedir mais e mais aquela contribuição para fechar um rombo aqui outro ali.

Como bem disse o Min. Marco Aurélio, "dias tristes", pensei que tivesse acabado, nem mais habeas corpus se pode mais... Eu era fã do HC, esse era igual o remédio do vovô, servia para tudo e tudo curava. Não é atoa que é (era) o remédio heroico. Seu heroísmo terminou no STF. Sei que são muitos processos, sei que a demanda é grande, mas a justiça não é para uns ou alguns, é para todos.

Imagine-se pois, um país que prende sem ter a certeza da culpa, que nega rever sua palavra, que invade a privacidade (para empresas) e intimidade (para pessoa natural) onde vai parar? Em algum momento não me assustará uma proposta de constituição cesarista. Talvez a constituição deva deixar de ser cidadã para ser estatal, pois como um prato de sopa quente o estado vem diminuindo as defesas da população, sob o argumento da celeridade, eficiência, economia etc.

São palavras lindas, princípios norteadores da administração, contudo mais vale um governo moroso em parte, mas justo no fim. Melhor um judiciário lento, que ter o sentimento de injustiça estampado no rosto. Não prego burocracia, apenas condeno atropelos. Repudio uma eficiência ou economia às custas da injustiça e insegurança jurídica. Quiça em algum momento se buscará qualidade, proficiência e não apenas números.

 É fato que para tudo no direito existe uma roupagem de legalidade, contudo é o corpo nu que realmente importa. É o corpo e alma nu que vai ao cárcere, é ele que padece. Se por acaso parece que este que te escreve prega uma impunidade regada a infindáveis recurso, não é disso que se trata nossa ideia. Apenas justiça. Leis que não mudem de seis em seis meses, jurisprudências que vem e vão até parecendo que depende quem figura na capa do processo.

É verdade, estamos cansados de comprar o vade mecum de seis em seis meses. Precisamos de segurança jurídica isto é um corolário da justiça. O cidadão precisa de regras claras, o profissional do direito precisa de ter tranquilidade para amadurecer os pontos de vista. Temos até maio de 2020 106 emendas a constituição. Será que a constituição é tão ruim assim?

Com a máxima vênia a constituição é excelente, mas é inchada por disposições que não deveriam estar lá. Essas quantidade absurda de emendas só revela nossa sociedade que tem decisões "de plantão", impensadas, quase beirando a insanidade jurídica de tantas regras e mudanças de regra.
Temos todo um aparato aparentemente democrático, todavia, "o corpo" a constituição vem sendo em verdade despedaçada, os direitos básicos são rebaixados a meros informativos convencionais, valendo infelizmente a vontade momentânea. Há de se repensar o que pode ser relativizado na CF, e oque é imutável.

Meus votos é que do legislativo produza leis que durem, que sejam bem pensadas, e que o judiciário em especial o Supremo tenha uma jurisprudência firme, pois não aguentamos o vai e vem de posições jurídicas. E que por fim tenhamos paz para construir um Brasil que orgulhe os brasileiros.

Por Artur Félix

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Diferença entre periculosidade e perigo/risco de vida

O que é perigoso? O que te expõe ao risco de perder sua vida?
Por Artur Félix

Sabe-se que todos nós corremos riscos e vivemos quase que constantemente em perigo de dano físico ou material, por isso muitas pessoas fazem seguros de vida, contra danos etc. No campo do direito deve-se ter como ratio essentialis que o Direito não se presta a estudar todos os fatos e situações da vida em sua completude, por mais positivista que seja o regime jurídico.

Nesse caminho, interessa para o Direito temas que tenham relevo social. Dessa forma, os institutos da periculosidade e do risco de vida se mostram aptos a denunciar que determinados fatos mereceram o olhar do direito tutelando e limitando condutas ou obrigando ações práticas.

Consoante essa premissa, observa-se que situações que nos expõe a perigo e a risco de vida, como andar de bicicleta, caminhar na rua, dirigir seu carro de passeio entre muitas outras situações, não são tuteladas pelo direito no sentido de que se tenha uma compensação monetária por essas atividades (expositora a risco). Isso porque, essas atividades decorrem do dia - dia, do comportamento mediano, moderno-natural na convivência em sociedade.

Por outro lado, existem situações de perigo ou de risco que ultrapassam a medida do razoável, o a medida do normal ou mediana. Não se trata de atividade normal do dia - dia, e por mais repetitivas que sejam, não fazem parte dos riscos expostos nas relações diárias do homem médio. Pouco importando as relações jurídicas que se fundam.

Em outras palavras, o risco de vida não está apenas fundado numa relação de trabalho, mas em todo risco que o ser humano é exposto. Ressaltando que essa exposição ao risco ou perigo não pode ser aqueles do dia-dia. Frente a isso, o Direito cria regras e compensações para o indivíduo que está nesse regime. Daí, inicia-se o estudo da periculosidade e do risco de vida.

Muitas pessoas entendem ser sinônimo o instituto da periculosidade e do risco de vida. Entretanto, singelamente a nosso sentir e na análise contida, trata-se de situações completamente diferentes. 

Inicialmente, é importante diferenciar quanto a gravidade. O Risco de vida trata-se de perigo constante/ininterrupto à vida (bem protegido na espécie), já a periculosidade trata-se de eminente e casual risco de dano (que podem ser dos mais diversos inclusive a vida em sua forma extrema) a integridade do agente.

Em outras palavras, quando se fala em risco de vida se está a afirmar que a atividade desempenhada normalmente tem a potencialidade de levar o agente a perder sua vida. Cito como exemplo o policial, o oficial de justiça que lidam diretamente com situações que podem constantemente lhes ceifar a vida

Em miúdos, já a periculosidade, depõe sobre um eventual dano a ser sofrido, e normalmente o dano vem de forma acidental. Exemplifico o marceneiro que lida com objetos cortantes, é uma atividade extremamente perigosa, mas medianamente não lhe impõe como o policial um risco constante de perder sua vida. É disso que se trata e sobre isso nos debruçamos a refletir.

É claro que em ambos os casos podem convergir para o fato danoso extremo, qual seja a morte. Destaca-se que no caso do risco de vida o fator extremo já é parte do espectro, já na periculosidade é algo inesperado. Assim, vislumbra-se que o primeiro já expõe o agente a esse dano extremo, já o segundo tem fatores extremos como consequências inesperadas. É muito importante sempre perguntar a possibilidade de dano extremo é constante? Aí teremos risco de vida. Se a resposta for diversa teremos atividade perigosa.

Quem está em risco de vida em razão da função ou cargo (Juiz, Oficial de justiça, Policial, etc), sofre constantemente a incerteza de que por ação de terceiro possa ter sua vida ceifada, sem que o agente em risco tenha contribuído para a situação de dano a vida. Essa é uma característica importante. 

Nessa linha, percebe-se que o agente no exercício da atividade (de risco)tem a certeza que corre risco de vida. Sendo essa uma das características fundamentais do risco de vida. Nesse caso, o estado de risco será sempre constante, incerto, imprevisível, porque isso decorre do cargo que ocupa ou da atividade desempenhada, assim, mesmo fora do serviço o agente está em risco de vida.

No caso de periculosidade, o estado (situação) de perigo não é constante, pois o agente se põe vez ou outra em situação de perigo, havendo intervalos entre essas situações de perigo. Cita-se o exemplo do caminhoneiro de cargas inflamáveis, no momento em que este está de folga não está em estado de perigo. Sendo assim, essa situação de periculosidade é momentânea, certa, previsível.

Ainda, salienta-se a diferenciação quantos a conduta do agente em perigo ou risco de dano, na periculosidade se o agente for imperito, negligente ou imprudente, suas ações o exporão a um ou mais perigos ou na pior das hipóteses ao resultado danoso extremo. Também, não se pode olvidar, que o agente em estado de perigo pode sofrer a ação de terceiro por negligencia, imprudência ou imperícia.

Conclui-se que nessa hipótese o resultado estará sempre na seara da responsabilidade do agente ou de terceiro. (Ex. o caminhoneiro de cargas inflamáveis um acidente dependerá da maneira que conduz o caminhão ou eventualmente terceiro agindo como já dito com imprudência, negligencia ou imperícia, ou Químico que pode distração mistura dois componentes e causa uma explosão.

A contrario sensu, o agente em risco de vida suas ações (conduta) não importam para evitar o risco ou o efeito danoso, pois o estopim do dano será sempre de terceiro, onde se apura o dolo ou a culpa desse agente causador.

Quanto a motivos de caso fortuito (raio, terremoto),à periculosidade se aplica, sendo um fato "normal" e "natural",imprevisível, incontínuo. Já para o risco de vida isso se aplica parcialmente visto que se trata intrinsecamente de atividade humana contra o agente em detrimento ao cargo ou atividade que desempenha. Ex 1. Eletricista que é atingido por um raio, nesse caso essa incidência é previsível para essa profissão ou atividade.Ex 2 Cientista que estuda tornados, é atingido por um e morre. Trata-se de fato previsível, apesar de ser ação da natureza.

Nessa mesma linha, o caso de Força Maior (ações humanas, roubo, furto) para a periculosidade não se aplica isso porque é atividade previsível, se enquadrando melhor ao risco de vida. Nessa toada, mostra-se racional concluir que o caminhoneiro de cargas valiosas está sujeito a risco de vida e não a periculosidade, sendo fator determinante a previsibilidade de um assalto. Cumpre demonstrar que aquele quem em função de seu cargo é assaltado (mesmo sendo fato fora da linha de suas atribuições, ou seja, sem ter conexão com o cargo ou atividade) corre risco de vida vez que revelado pelo cargo ou atividade, o risco já existente se exaspera/exacerba Ex. pessoa assaltada e o assaltante descobre que assaltado é policial, juiz, delegado, oficial de justiça etc.

Razão pela qual, a atual prática de se conceituar como sinônimos o risco de vida e a periculosidade é incabível ao meu sentir. Isso porque, quem está em risco de vida tem por iminente lesão sua vida, já quem está em periculosidade tem uma gama de resultados possíveis dependendo da gravidade do quadro fático.

Em linhas práticas, observa-se que uma pessoa que está jurada de morte ou sua atividade naturalmente o expõe a esse risco extremo em função de seu cargo ou da atividade, se priva de N atividades de forma constante. Já o agente que está em periculosidade, quando termina sua atividade perigosa volta a sua vida normal, fato que não ocorre no risco de vida.

Nesse sentido, observa-se ser possível haver a incidência dos dois para o mesmo agente Ex. Motorista de carro forte, Policial, Oficial de justiça. Todos esses, além de estarem em risco de vida constante (dentro e fora do trabalho) em função do cargo ou atividade, estão em estado de periculosidade isso porque no exercício da função estão expostos a toda sorte de ações danosas (agressão, lesão corporal, ect.)

A seu turno temos cláusula constitucional que assevera a necessidade de que haja a redução de riscos, por mais que seja voltada ao trabalho, numa interpretação teleológica este deve ser estendido a todo âmbito da convivência social como regra geral.Cita-se;

"Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;"

Exemplifica-se tal máxima: Exigir licenças para construção, necessidade de policiamento, vacinas, vigilância sanitária etc. são todas formas de redução de riscos e periculosidade de maneira geral. Mas como toda regra geral tem suas especialidade e exceções, deve-se ter um tratamento especial ´para aquele agente que se expõem mais a esses riscos que uma pessoa comum.

O que ocorre na prática, tanto nos julgados, quanto na legislação é que se coloca os dois institutos como sinônimos. Note-se que o TST já sinalizou essa diferença, mesmo não entrando no mérito da questão. A questão pode tomar contornos no direito Administrativo (servidores públicos) no direito do Trabalho (CLT).

Nesse sentido TST:

RECURSO DE EMBARGOS. NULIDADE DA DEC I SÃO PROLATADA PELA TURMA POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.Não existe a nulidade invocada porque a prestação jurisdicional foi devidamente entregue, fundamentadamente, com respeito aos princípios constitucionais garantidores da prestação jurisdicional previstos nos artigos 832 da CLT e 93, IX, da Carta Magna. Embargos não conhecidos. ADICIONAL CONTRATUAL DE RISCO. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM ADICIONAL LEGAL DE PERICULOSIDADE. Não há como se verificar a violação literal dos artigos invocados nas razões de embargos, quais sejam 7º, XXIII, da Constituição Federal e 193, § 2º, da CLT, pois esses preceitos não vedam expressamente a cumulação do adicional contratual de risco de vida e do adicional de periculosidade, devido por força de lei. Embargos não conhecidos.832CLT93IXCarta MagnaConstituição Federal193§ 2ºCLT (5607789619995045555 560778-96.1999.5.04.5555, Relator: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 29/10/2007, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais,, Data de Publicação: DJ 09/11/2007.)

Entretanto, por ora trata-se de uma singela opinião, e que deve ser discutida, pois como nos tempos passados onde se reunia para discutir uma tese e a posteriori submete-la ao fogo da crítica e argumentação, para no fim assentar sua força ou fragilidade. É o que fazemos agora, submetemos a você, para que pense no assunto de exponha sua opinião.

Autor: Artur Félix

Citação e intimação de pessoa física em sede de Juizado Especial Cível, na pessoa de terceiros que se encontrem na residência

Legalidade da citação e intimação na pessoa de terceiros.



Por Artur Félix
Trata este artigo do questionamento à legalidade da modalidade de citação e intimação de pessoa física em sede de Juizado Especial Cível, na pessoa de terceiro que se encontre na residência. Então, a questão técnica a se debruçar é a seguinte:
“A Citação/Intimação de pessoa física feita na pessoa qualquer pessoa que se encontre na residência da parte tem eficácia legal e vinculante, capaz de gerar os efeitos processuais da citação/intimação válida?”.
Ab initio, deve-se ter claro que a citação é o ato pelo qual o réu é chamado ao processo tornando o mesmo litigioso. Ainda, trata-se no meio pelo qual o réu toma ciência de toda matéria de fato e de direito versada pelo autor. Por fim, ato pelo qual se inicia querendo o exercício do contraditório e ampla defesa através dos instrumentos processuais de práxis (contestação, arguição de preliminares etc). ( in ius vocatio e edctio actionis)
“A citação é o ato processual de comunicação ao sujeito passivo da relação jurídica processual (réu ou interessado) de que em face dele foi proposta uma demanda de que possa, querendo, vir a se defender ou manifestar-se” (Fred Didier Jr, 2009, pg. 463)
“ (...) é adequado afirmar, como aqui se fez, que a citação é ato que convoca alguém para integrar o processo” Alexandre de Freitas Câmara, o novo processo civil brasileiro, pag. 141, 6ª edição, editora gen/atlas, são Paulo, 2020.
“Código de Processo civil, Art. 238. Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual. ”
Em última forma, é necessário admitir que em uma conduta humana mediana que após a citação ou propositura da ação, ambas as partes estão vinculadas às práticas dos atos processuais[1], bem como impõe a si mesma o acompanhamento processual, caso contrário sofreram as “penalidades” da desídia processual.
Desse modo, os atos processuais em especial os dos Juizados que são derivados da eficiência, celeridade, economicidade que não sujeita apenas o judiciário, mas também as partes. Tudo isso para o bom desenvolvimento processual, e o reconhecimento de um direito. Explica-se tanto reconhecendo do direito do autor, quanto reconhecendo o direito do réu, visto que a sentença de improcedência transitada e julgada constitui o réu no direito de não ser interpelado novamente pelos mesmos fatos.
Quanto as intimações, não há muito o que se falar, vez que essa tem por finalidade provocar a parte a realizar ato que lhe caiba, ou ato determinado que se realize por ordem do (a) Juiz (a) presidente da causa. Havendo dentro do próprio CPC a regra de que se a parte não realizar atos a ela inerentes impõe-se a extinção do feito entre outras "sanções" como a preclusão por exemplo.
Em outras palavras o processo é “vivo”, isso quer dizer que a parte impulsionando ou não o processo com seus atos próprios ou provocados, o juiz (a) presidente porá o feito em andamento até entregar a tutela jurisdicional. Agora o resultado dessa tutela dependerá da atuação de cada parte. Traduzindo-se assim, no próprio zelo a justiça, pois em que pese ser seu “direito” ficar calado e deixar o processo correr, por outro lado o CPC assenta o princípio da cooperação para alcance da justiça entre todos os atores processuais.
O que se está a falar, por mais que na prática não pareça real, há de se constatar que o processo é feito por várias mãos. Desse modo, retirando-se aquela antiga prática de propôs-se uma ação e deixa-la “correr” como se a inicial fosse a última palavra do autor e a contestação a última do réu.
A prática processual revela que o processo é cooperativo e aponta a necessidade de partes atuantes em conjunto pelo alcance da justiça (nesse caso mitigada é claro pelo o interesse individual das partes). Do outro lado, os juízes não devem julgar antes de manifestação das[2] parte com escopo de obter a justiça pura, bem como dar oportunidade de cooperação processual. Daí a importância dos actos processuais em geral.
Pois bem, partindo a nossa questão, devemos ter em exame que a jurisprudência pátria tem admitido a exceção à regra geral do art. 215 do CPC[3] em se tratando de Juizado Especial Cível. Isso porque, os Princípios norteadores desse sistema são diferentes do tradicional processo civil (comum). O artigo  da Lei 9.099 de 1995[4], traz essa diferença principiológica que interferem sem dúvidas na forma e na prática dos atos processuais. Assim, não é diferente na citação que pode ser feita pelo correio preferencialmente.
Consoante a celeridade, eficiência, informalidade, acessibilidade, oralidade sem dúvidas a Lei dos JECS aponta novos nortes. Nessa linha temos o AR que seria o carro chefe da dinâmica dos juizados. Como se sabe o carteiro não possui qualquer qualificação/formação jurídica ou fé pública. Entretanto outorgou-se a estes uma espécie de “fé pública”. Igualmente anota-se que a citação o ato “mais importante” do processo. Em outras palavras, é o alicerce da lide, a Lei autorizou essa prática (pelo carteiro) sem levar em conta no meu sentir as nuanças do ato, deixando é verdade as ordens de força a cargo do Oficial de Justiça (Penhora, condução, remoção, arresto, sequestro etc).
De certo, causa perplexidade esse fato, pois o trabalho realizado pelo correio é realizado sem qualquer orientação ou preparo jurídico, e ainda paira falta de autoridade judicial para realização desse importante ato. Entretanto, não há qualquer questionamento quanto a constitucionalidade da norma ou sua adequação ao sistema processual nacional. Pelo contrário a jurisprudência é uníssona ao placitar o regulamentado na Lei. Cita-se:
STF, Ano 2012, Min. Luiz Fux:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL NÃO EXAMINADA. AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. ART. 323 DO RISTF C.C. ART. 102III§ 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROCESSUAL CIVIL. EXCESSO DE EXECUÇÃO. NULIDADE DE CITAÇÃO. LIMITE DE ALÇADA DOS JUIZADOS ESPECIAIS NÃO ULTRAPASSADO. FALTA DO NECESSÁRIO PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.1. (...) Os princípios da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da motivação das decisões judiciais, bem como os limites da coisa julgada, quando a verificação de sua ofensa dependa do reexame prévio de normas infraconstitucionais, revelam ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal, o que, por si só, não desafia a abertura da instância extraordinária. (...) Registre-se, por derradeiro, que as alegações de nulidade da citação, excesso de execução, e que o valor da execução ultrapassa o limite de alçada dos Juizados Especiais Cíveis, foram adequadamente solucionadas pelas instâncias ordinárias, como se pode depreender desse passo do voto condutor do acórdão recorrido fl. 198 verbis: "A alegação de nulidade do ato citatório é infundada e não merece acolhimento. (...)A correspondência de citação foi enviada a um dos endereços da parte recorrente e seu recebedor devidamente identificado, logo, presume-se ter sido aquele citado. Nesse sentido o enunciado n. 5 do Fórum Permanente de Juizados Especiais Cíveis e Criminais: “A correspondência ou contra-fé recebida no endereço da parte é eficaz para efeito de citação, desde que identificado o seu recebedor(...) Ex positis, NEGO SEGUIMENTO ao recurso extraordinário com agravo com fundamento no art. 21, § 1º, do RISTF. Publique-se. Intimações necessárias. Brasília, 13 de março de 2012.Ministro Luiz Fux Relator Documento (674647 SP , Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 13/03/2012, Data de Publicação: DJe-057 DIVULG 19/03/2012 PUBLIC 20/03/2012) (grifo Nosso)
ENUNCIADOS:
Enunciado nº 5 do FONAJE dispõe que:
" A correspondência ou contrafé recebida no endereço da parte é eficaz para efeito de citação, desde que identificado o seu recebedor. "
ENUNCIADO 41- A CORRESPONDÊNCIA OU CONTRA-FÉ RECEBIDA NO ENDEREÇO DO ADVOGADO É EFICAZ PARA EFEITO DE INTIMAÇÃO, DESDE QUE IDENTIFICADO O SEU RECEBEDOR. (NOVA REDAÇÃO APROVADA NO XXI ENCONTRO - VITÓRIA/ES).
TJRJ:
ENUNCIADO – AVISO TJ Nº SN23 - A CITAÇÃO POSTAL DE PESSOA FÍSICA CONSIDERA-SE PERFEITA COM A ENTREGA DE A.R. ÀS PESSOAS QUE RESIDAM EM COMPANHIA DO RÉU OU SEUS EMPREGADOS DOMÉSTICOS.
ENUNCIADO – ATO TJRJ Nº SN12 - ENUNCIADO 5 - A CORRESPONDÊNCIA OU CONTRAFÉ RECEBIDA NO ENDEREÇO DA PARTE É EFICAZ PARA EFEITO DE CITAÇÃO, DESDE QUE IDENTIFICADO O SEU RECEBEDOR.
ENUNCIADO – AVISO TJ Nº 46 A CITAÇÃO ESTARÁ APERFEIÇOADA COM A ENTREGA DO AR NO ENDEREÇO DA EXECUTADA, NÃO IMPORTANDO POR QUEM FOR ELE RECEBIDO.
ENUNCIADO – AVISO TJRJ Nº 32
9. A CITAÇÃO POSTAL ENTREGUE NO ENDEREÇO DA PESSOA FÍSICA E NO DA SEDE OU FILIAL DA PESSOA JURÍDICA FAZ PRESUMIR O CONHECIMENTO E A VALIDADE DO ATO.
JUSTIFICATIVA: REMANSADA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ASSIM TEM CONSIDERADO A QUESTÃO, À LUZ DA TEORIA DA APARÊNCIA. REF.: RESP 702.392/RS, STJ, 1ª TURMA, DJ DE 29/08/2005, P. 186. APCV 2006.001.03222, TJERJ, 17ª CÂMARA CÍVEL, JULGADA EM 22/02/2006. APCV 2005.001.28744, TJERJ, 3ª CÂMARA CÍVEL, JULGADA EM 21/03/2006
TJSP:
TJ-SP nº: 12. Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“A correspondência ou contrafé recebida no endereço da parte é eficaz para efeito de citação e intimação, desde que identificado o seu recebedor”.
Enunciados do IV Fojesp nº: 25:
“A correspondência ou contrafé recebida no endereço da parte é eficaz para efeito de citação e intimação, desde que identificado o seu recebedor”.
JURISPRUDÊNCIA:
TJDF:
JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECURSO INOMINADO. DIREITO CIVIL. CONTRATO VERBAL DE EMPRÉSTIMO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE DO ATO CITATÓRIO. REGULARIDADE DA CITAÇÃO. MATÉRIA COMPLEXA NÃO CARACTERIZADA. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. AUSÊNCIA DA P ARTE RÉ À AUDIÊNCIA DESIGNADA. EFEITOS DA REVELIA OPERADOS. FATOS INCONTROVERSOS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.1. PERMANECE VÁLIDA A CITAÇÃO EFETIVADA DE FORMA REGULAR, AINDA QUE ADIADA A AUDIÊNCIA DESIGNADA. NA HIPÓTESE, O RÉU FOI REGULAMENTE CITADO POR OFICIAL DE JUSTIÇA (FL. 26) E INTIMADO POR C ARTA, NO MESMO ENDEREÇO DA CITAÇÃO, PARA A NOVA AUDIÊNCIA DESIGNADA PARA 25/10/2011, AINDA QUE ATRAVÉS DE OUTRO MORADOR DA RESIDÊNCIA, COM 11 (ONZE) DIAS DE ANTECEDÊNCIA. PORTANTO, INEXISTE DEFEITO NO ATO CITATÓRIO, INCIDINDO NO CASO O DISPOSTO NO ENUNCIADO 5 DO FONAJE, SEGUNDO O QUAL"A CORRESPONDÊNCIA OU CONTRAFÉ RECEBIDA NO ENDEREÇO DA P ARTE É EFICAZ PARA EFEITO DE CITAÇÃO, DESDE QUE IDENTIFICADO O SEU RECEBEDOR". RECONHECIDA A VALIDADE DA INTIMAÇÃO REALIZADA À FL. 41. (...) 3. RÉU QUE, DEVIDAMENTE INTIMADO, NÃO COMPARECE À AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO, NEM JUSTIFICA TEMPESTIVAMENTE SUA AUSÊNCIA, SOFRE OS EFEITOS DA REVELIA, OCORRENDO A PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS FATOS NARRADOS NA INICIAL, SOBRETUDO SE GUARDAREM SINTONIA COM A VERSÃO APRESENTADA NA PETIÇÃO INICIAL E DOCUMENTOS A ELA ANEXADOS, COMO NA HIPÓTESE. 4. ACERTADA A DECISÃO QUE, RECONHECENDO OS EFEITOS DA REVELIA, COTEJANDO AS PROVAS CARREADAS AOS AUTOS (FL. 49), JULGA PROCEDENTE O PEDIDO DA INICIAL, NOS TERMOS DO ART. 20 DA LEI 9.099/95. 5. NO CASO CONCRETO, A AUTORA ALEGA TER VIVIDO RELACIONAMENTO AFETIVO COM O RÉU, DURANTE O QUAL CONCEDEU-LHE VÁRIOS EMPRÉSTIMOS, NÃO HAVENDO O DEVIDO ADIMPLEMENTO DA DÍVIDA, MESMO APÓS VÁRIAS TENTATIVAS DE ACORDO. O RÉU FOI DEVIDAMENTE CITADO E INTIMADO A COMPARECER AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO, INSTRUÇÃO E JULGAMENTO (FLS. 26, 37 E 41), PORÉM NÃO SE FEZ PRESENTE, NEM APRESENTOU JUSTIFICATIVA, FAZENDO ECLODIR CONTRA SI OS EFEITOS DA REVELIA, REPUTANDO-SE VERDADEIROS OS FATOS ARTICULADOS NA INICIAL, NA FORMA DO ART. 20 DA LEI 9.099/95. 6. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, COM SÚMULA DE JULGAMENTO SERVINDO DE ACÓRDÃO, NOS TERMOS DO ART. 46 DA LEI N. 9.099/95. CONDENADO O RECORRENTE VENCIDO AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, FIXADOS EM R$ 500,00 (QUINHENTOS REAIS), SUSPENSA A EXIGIBILIDADE EM RAZÃO DA JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA.209.099209.099469.099 (181316220118070003 DF 0018131-62.2011.807.0003, Relator: DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, Data de Julgamento: 17/04/2012, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Publicação: 19/04/2012, DJ-e Pág. 350)
TJMT:
RECEBIMENTO DA correspondência PELO FILHO DO RÉU. EFICÁCIA. PRAZO RECURSAL. RÉU REVEL. ART. 322 DO CPC. RECURSO INTEMPESTIVO. RECURSO NÃO CONHECIDO. " A correspondência ou contra-fé recebida no endereço da parte é eficaz para efeito de citação, desde que identificado o seu recebedor "(Enunciado n 05 do FONAJE) Contra o revel correrão os prazos independentemente de intimação (322 do CPC) (TJMT. 2º Turma Recursal. Recurso Cível Inominado nº 669/2006 Classe II - 1 – Juizado da Morada da Serra. Magistrado DR. NELSON DORIGATTI. Data de Julgamento 29/08/2006)
TJSP:
Revelia - Pessoa Física - Citação por AR - A entrega da carta, citatória na residência da ré, com aviso de recebimento firmado por pessoa identificada, torna efetivada a citação. É que a lei não exige a citação pessoal e a interpretação literal do inciso I do art. 18 da Lei 9.099/95 deixaria inócua a citação postai Nulidade não configurada. Revelia bem decretada." A correspondência ou contra-fé recebida no endereço da parte é eficaz para efeito de citação, desde que identificado o seu recebedor "1, bastando para essa Identificação o lançamento legível do nome ou o número de documento de Identidade a fim de que possibilite ao citado a prova de eventual irregularidade. A ausência de comparecimento da ré à audiência implica na presunção de veracidade dos fatos deduzidos em juízo. Ré que na direção do veículo da autora veio a chocá-lo com o portão da residência e com outro automóvel estacionado. Condenação pelo menor dos três orçamentos que se mostra razoável. Recurso não provido. .I189.099 (11090 SP , Relator: Maria Cristina Cotrofe Biasi, Data de Julgamento: 08/07/2008, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: 23/10/2008)
Dessa maneira, frente à jurisprudência dominante é incontroverso para permitir o tema a luz dos entendimentos judiciários no tocante a citação feita a terceira pessoa e não diretamente ao interessado ou réu. Portanto, é desnecessária a citação pessoal do réu como forma de eficácia do ato, e assenta-se como exceção à regra geral do Art. 215 do CPC.
Consoante indubitável que quando o carteiro chega na residência do intimando/citando pergunta se aquela pessoa reside naquele local e se se encontra. Caso positivo colhe a assinatura de quem estiver e devolve o A.R. positivo, pois foi recebido por alguém. Mas quem? E se negativo há justificativa fundamentada ou são aquelas opções do AR: 1) mudou-se; 2) endereço inexistente; 3) recusou-se a receber?
Caso seja a última situação terá autoridade o carteiro para compelir o indivíduo a se identificar? Certamente não, essa não é a atribuição do careteiro. Este profissional somente entrega o AR se recebido bem, se não recebido simplesmente devolve. Nesse caso, poderia decretar a revelia com base da recusa do recebimento? Parece temerário assim proceder pois se quer viria aos autos pelo correio o nome e identificação de quem se recusou.
Note-se que aqui a declaração do carteiro recebeu “veracidade” iuris tantum ao asseverar que ali residia fulano e que o documento foi recebido por terceiro, por um parente quiçá. Com todo respeito do pensamento diverso o ato do carteiro é meramente informativo por não gozar esse profissional de fé pública, não podendo ter tomado a forma de uma segurança razoável.
A prática forense revela infelizmente algo estarrecedor. Muita das vezes o carteiro é recebido por pessoas doentes, idosos, incapazes ou até mesmo imprudentes por assim dizer que recebem o A.R., firmam e depois se dão conta de que se quer conheciam tal pessoa. Essa pessoa que recebeu o AR não sabe que seu ato vai gerar uma consequência ao destinatário. No mesmo ponto de vista, o Sr. Carteiro que cumpriu seu dever, mas talvez induzido a erro, entregou o AR em local diverso, e o documento se quer chegará ao conhecimento do destinatário.
Imagine-se uma ação monitória ou execução que a citação para pagar é feita pelo correio na pessoa de terceiro. O executado somente saberá do processo quando tiver penhorada sua conta bancária, seu carro restrito etc. É por esse motivo que há de se ter muitíssimo cuidado com a citação por AR ao réu revel que é citado na pessoa de terceiro. É claro que há mecanismo de reduzir a instabilidade dessa modalidade. Refiro-me a coleta de dados do recebedor, pois aí o juiz poderá constatar se se trata de um parente, esposo, filho etc.
Ainda, e é bem verdade que na maioria dos casos as pessoas comparecem e como sabido independente da modalidade da citação. Assim, convalida-se o acto pelo comparecimento “espontâneo” da parte. Reitero o cuidado necessário ao réu revel citado ou intimado na pessoa de terceiro para realização de ato crucial de defesa no caso da intimação e para compor a lide no caso da citação. Situação que imporá ao intimando/citando a perempção e ou revelia.
Agora a questão paira se o Oficial de justiça pode proceder da mesma maneira que o carteiro? A resposta é desenganadamente sim!
Ora, se a lei conferiu ao carteiro que é: pessoa sem autoridade judicial, sem fé pública, sem qualquer vínculo com o judiciário, sem formação jurídica, é claro que o Oficial de Justiça autoridade qualificada e competente, com curso superior em direito, vinculado ao judiciário[5], também pode fazê-lo ainda com mais razão sem ofender qualquer dispositivo legal. Pelo contrário, atribui veracidade e legitimidade ao ato a ser realizado[6].
Certamente que na realização desse tipo de ato deve-se tomar determinadas precauções procedimentais, qual sejam anotar o nome, endereço, número de documento da terceira pessoa que recebeu a citação/intimação na residência da parte e outros dados disponíveis. Diferente do carteiro, o oficial de justiça possui um ato processual que é de sua prerrogativa exclusiva: a certificação.
E atualmente a atividade do oficial de justiça é eminentemente externa tanto por tradição histórica como pela própria natureza do cargo. Pode-se então dizer, que o Oficial de justiça foi um dos primeiros servidores a trabalhar no regime home office. E no caso específico dos Oficiais de Justiça, “seu office” é itinerante. Deve-se registrar que, a atividade do Oficial de Justiça recebe duas atribuições que lhe delineia a atividade.
A primeira é administrativa num primeiro momento (receber mandados, analisar juridicamente o ato a ser realizado, organizar diligencias, planejar rotas etc). Logo após vem a maior parte de sua atividade, que é o cumprimento externo dos mandados e por fim retorna à atividade interna administrativa, qual seja, a devolução, certificação circunstanciada dos mandados bem como sua entrega. Portanto, diferentemente dos demais servidores, o Oficial de justiça tem uma atividade dupla.
No que se refere a atividade externa, a própria legislação aponta a natureza externa do Oficial de Justiça a revelar a realização de diligencias. Assim assevera o NCPC:
Art. 154. Incumbe ao oficial de justiça:
- Fazer pessoalmente citações, prisões, penhoras, arrestos e demais diligências próprias do seu ofício, sempre que possível na presença de 2 (duas) testemunhas, certificando no mandado o ocorrido, com menção ao lugar, ao dia e à hora;
II - executar as ordens do juiz a que estiver subordinado;
III - entregar o mandado em cartório após seu cumprimento;
IV - auxiliar o juiz na manutenção da ordem;
V - efetuar avaliações, quando for o caso;
VI - certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes, na ocasião de realização de ato de comunicação que lhe couber.
Em outra quadra, no mesmo artigo 154 do CPC reside sua atuação “interna” administrativa. A atividade administrativa consiste na certificação das atas de diligências, onde o OJA narra ao Magistrado o ocorrido, e como o Oficial de justiça é (ou deveria ser) o longa manus do Juiz, cumpre-lhe assentar circunstanciadamente as citações encontradas e por ele observada no ato das diligências. Isso, com escopo de levar ao Magistrado uma visão além do gabinete, trazendo (ou tentando trazer) à sua Excelência a realidade fática vivida pelas partes (Ex. mandado de verificação ou constatação).
As referidas certidões por Lei têm enorme peso, vez que revelam uma espécie de “ inspeção judicial delegada”. Em outras palavras, é como se o Magistrado personificado no oficial se dirigisse até a casa do jurisdicionado para confirmar/ constatar que o que se alega no bojo dos autos é de fato a verdade. Portanto, existem esses dois vieses de atuação do Oficial de Justiça, um administrativo outro externo. Também não se pode desprezar uma característica que sobressalta na atividade do oficial de justiça que é a representatividade do Poder Judiciário, sendo este muitas das vezes, a única figura de autoridade estatal presente nos mais remotos rincões do Brasil, fato que não é difícil de ser comprovado.
Nessa linha, o que pretende assentar é que o oficial de justiça nesse ponto é muito mais confiável do ponto de vista de certeza jurídica que o carteiro. Isso porque, quando o oficial é diligente e zeloso produz uma certidão circunstanciada do ocorrido etc. Podendo inclusive repetir o ato com escopo de colher novas informações se for o caso. Consoante isto, é inegável a confiabilidade das informações do meirinho ante a do correio que apenas tem a obrigação de entregar a carta sem preocupação ou obrigação da formalidade e juridicidade do acto.
Em absoluto se está a dizer que se deva abandonar a prática do AR, contudo há caso e que a certeza do ato, a certeza da citação do réu escorregadio faz-se necessária a atuação do oficial, como nos casos de família por exemplo. Para tanto, com base no princípio da cooperação é importante que o autor informe ao juízo as circunstâncias do ato, requerendo se for o caso a citação por oficial. Isso de forma clara e justificando seu requerimento.
No que se refere aos advogados inova a jurisprudência nacional no que tange a intimação. Assim versa:
ENUNCIADO FONAJE Nº 41- A CORRESPONDÊNCIA OU CONTRA-FÉ RECEBIDA NO ENDEREÇO DO ADVOGADO É EFICAZ PARA EFEITO DE INTIMAÇÃO, DESDE QUE IDENTIFICADO O SEU RECEBEDOR. (NOVA REDAÇÃO APROVADA NO XXI ENCONTRO - VITÓRIA/ES).
ENUNCIADO – AVISO TJRJ Nº 33 - A INTIMAÇÃO DO ADVOGADO É VÁLIDA NA PESSOA DE QUALQUER INTEGRANTE DO ESCRITÓRIO, DESDE QUE IDENTIFICADO.
TJRJ - “A intimação do advogado, pessoalmente ou pela imprensa, para a prática de atos processuais, dispensa a da parte, inclusive para cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer”.
Ante o exposto, conclui-se que é legal e válida[7] a intimação ou citação de qualquer pessoa mesmo não sendo a parte ou seu procurador, ou seja, pela teoria da aparência admite-se que seja citado/intimado qualquer pessoa na residência da parte, no caso de Advogado, a secretária ou que no escritório labutar, mediante é claro da nota de recebimento[8].
Entretanto tem-se a ressalva de que caso à parte não residir mais naquele local ou não haver qualquer conhecimento por parte de quem atender o Oficial de Justiça. O mesmo cuidado deve ter o AR entregue na pessoa de terceiro e verificou o silencio do réu.
Parece ser razoável antes de decretar à revelia o juiz determinar a pesquisa do nome do recebedor afim de certificar-se que se trata de parente, caso não conste tal informação. Que se intime o autor para manifestar-se sobre o AR apontando se souber quem é o recebedor. Tudo isso para dar consistência e segurança para a decisão do magistrado.
Do outro lado, impedirá futuro pedido de nulidade processual considerado que o processo foi hígido. Destaca-se que toda celeridade obtida com a citação por AR pode vir por água baixo pela anulação dos atos processuais pós citação inválida. Devo destacar mais uma vez, a possibilidade por exemplo do Juiz ordenar a manifestação quanto ao AR, e a parte autora prestar informações inverídicas como asseverando ser o recebedor irmão, esposa, mãe do réu sem ser, só para o processo correr a seu favor. Notadamente, esse deverá ser condenado a litigância de má fé ou acto atentatório a justiça. Melhor dizer a verdade consoante o princípio da boa-fé.
De certo, existem outras posições que defendem o contrário, tendo essa postura jurisprudencial como uma afronta direta às garantias processuais e constitucionais. Existem argumentos tanto para placitar esse entendimento, quanto para fulmina-lo. Contudo, deve sempre o juiz ter cautela antes de prosseguir com o feito.
Na prática o procedimento já foi placitado. É verdade que quem possui condições de uma defesa técnica de qualidade para anular um processo com citação temerária não terá problemas. Do outro lado, o réu ou interessado mais pobre quiçá apenas amargará o prejuízo da ilegalidade ou erro judicial.
Por tal motivo, cada caso deve ser analisado com estrita aplicação do princípio da ampla defesa, contraditório, devido processo legal, não surpresa, cooperação processual etc. A cautela e técnica devem ser observadas.
Autor: Artur Félix*
O texto pode ser reproduzido reportando a autoria e fonte de extração.
*Graduado em Direito, pós graduando Direito Processual Civil. Atuante em: Direito Constitucional, Administrativo, tributário, consumidor e Civil e Processual Civil. Advogado, consultor jurídico e palestrante. Idiomas: Inglês, Espanhol, Italiano, e Português. Advogado no escritório Félix Novaes Advocacia

[1] Inclusive sendo a desistência da ação um ato que causa punição ao autor nos termos do art. 90 do CPC. Da mesma forma caso o réu ou interessado permaneça silente haverá reflexos de tal atitude.
[2] Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
[3] Art. 215 - Far-se-á a citação pessoalmente ao réu, ao seu representante legal ou ao procurador legalmente autorizado.
[4] Art. 2º - o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (...)
[5] “Art. 45. Não nomearemos juízes, oficiais de justiça, xerifes ou bailios, que desconheçam a Lei do Reino e não se disponham a observá-la. ” (CARTA MAGNA DE JOÃO SEM TERRA, ano 1215).
[6] “Nomeiem juízes e oficiais de justiça para cada uma de suas tribos em todas as cidades que o Senhor, o seu Deus, lhes dá, para que eles julguem o povo com justiça” (Deuteronômio, capítulo 16, versículo 18).
[7] AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO POSTAL COM AVISO DE RECEBIMENTO. ENTREGA NO ENDEREÇO DO DEVEDOR. RECEBIMENTO POR PESSOA DIVERSA. VALIDADE. Em se tratando de execução fiscal, considera-se válida a citação mediante a expedição de carta AR, ainda que assinada por pessoa diversa. Inteligência do artigo II, da LEF, no sentido de que a citação pelo correio se perfectibiliza com a entrega da carta no endereço do executado. Possibilidade do deferimento da penhora via BacenJud. Precedentes jurisprudenciais. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, DE PLANO. (Agravo de Instrumento Nº 70077741205, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 21/05/2018)
[8] Súmula STJ 429 “A citação postal, quando autorizada por lei, exige o aviso de recebimento”.