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sexta-feira, 10 de julho de 2020

Citação e intimação de pessoa física em sede de Juizado Especial Cível, na pessoa de terceiros que se encontrem na residência

Legalidade da citação e intimação na pessoa de terceiros.



Por Artur Félix
Trata este artigo do questionamento à legalidade da modalidade de citação e intimação de pessoa física em sede de Juizado Especial Cível, na pessoa de terceiro que se encontre na residência. Então, a questão técnica a se debruçar é a seguinte:
“A Citação/Intimação de pessoa física feita na pessoa qualquer pessoa que se encontre na residência da parte tem eficácia legal e vinculante, capaz de gerar os efeitos processuais da citação/intimação válida?”.
Ab initio, deve-se ter claro que a citação é o ato pelo qual o réu é chamado ao processo tornando o mesmo litigioso. Ainda, trata-se no meio pelo qual o réu toma ciência de toda matéria de fato e de direito versada pelo autor. Por fim, ato pelo qual se inicia querendo o exercício do contraditório e ampla defesa através dos instrumentos processuais de práxis (contestação, arguição de preliminares etc). ( in ius vocatio e edctio actionis)
“A citação é o ato processual de comunicação ao sujeito passivo da relação jurídica processual (réu ou interessado) de que em face dele foi proposta uma demanda de que possa, querendo, vir a se defender ou manifestar-se” (Fred Didier Jr, 2009, pg. 463)
“ (...) é adequado afirmar, como aqui se fez, que a citação é ato que convoca alguém para integrar o processo” Alexandre de Freitas Câmara, o novo processo civil brasileiro, pag. 141, 6ª edição, editora gen/atlas, são Paulo, 2020.
“Código de Processo civil, Art. 238. Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual. ”
Em última forma, é necessário admitir que em uma conduta humana mediana que após a citação ou propositura da ação, ambas as partes estão vinculadas às práticas dos atos processuais[1], bem como impõe a si mesma o acompanhamento processual, caso contrário sofreram as “penalidades” da desídia processual.
Desse modo, os atos processuais em especial os dos Juizados que são derivados da eficiência, celeridade, economicidade que não sujeita apenas o judiciário, mas também as partes. Tudo isso para o bom desenvolvimento processual, e o reconhecimento de um direito. Explica-se tanto reconhecendo do direito do autor, quanto reconhecendo o direito do réu, visto que a sentença de improcedência transitada e julgada constitui o réu no direito de não ser interpelado novamente pelos mesmos fatos.
Quanto as intimações, não há muito o que se falar, vez que essa tem por finalidade provocar a parte a realizar ato que lhe caiba, ou ato determinado que se realize por ordem do (a) Juiz (a) presidente da causa. Havendo dentro do próprio CPC a regra de que se a parte não realizar atos a ela inerentes impõe-se a extinção do feito entre outras "sanções" como a preclusão por exemplo.
Em outras palavras o processo é “vivo”, isso quer dizer que a parte impulsionando ou não o processo com seus atos próprios ou provocados, o juiz (a) presidente porá o feito em andamento até entregar a tutela jurisdicional. Agora o resultado dessa tutela dependerá da atuação de cada parte. Traduzindo-se assim, no próprio zelo a justiça, pois em que pese ser seu “direito” ficar calado e deixar o processo correr, por outro lado o CPC assenta o princípio da cooperação para alcance da justiça entre todos os atores processuais.
O que se está a falar, por mais que na prática não pareça real, há de se constatar que o processo é feito por várias mãos. Desse modo, retirando-se aquela antiga prática de propôs-se uma ação e deixa-la “correr” como se a inicial fosse a última palavra do autor e a contestação a última do réu.
A prática processual revela que o processo é cooperativo e aponta a necessidade de partes atuantes em conjunto pelo alcance da justiça (nesse caso mitigada é claro pelo o interesse individual das partes). Do outro lado, os juízes não devem julgar antes de manifestação das[2] parte com escopo de obter a justiça pura, bem como dar oportunidade de cooperação processual. Daí a importância dos actos processuais em geral.
Pois bem, partindo a nossa questão, devemos ter em exame que a jurisprudência pátria tem admitido a exceção à regra geral do art. 215 do CPC[3] em se tratando de Juizado Especial Cível. Isso porque, os Princípios norteadores desse sistema são diferentes do tradicional processo civil (comum). O artigo  da Lei 9.099 de 1995[4], traz essa diferença principiológica que interferem sem dúvidas na forma e na prática dos atos processuais. Assim, não é diferente na citação que pode ser feita pelo correio preferencialmente.
Consoante a celeridade, eficiência, informalidade, acessibilidade, oralidade sem dúvidas a Lei dos JECS aponta novos nortes. Nessa linha temos o AR que seria o carro chefe da dinâmica dos juizados. Como se sabe o carteiro não possui qualquer qualificação/formação jurídica ou fé pública. Entretanto outorgou-se a estes uma espécie de “fé pública”. Igualmente anota-se que a citação o ato “mais importante” do processo. Em outras palavras, é o alicerce da lide, a Lei autorizou essa prática (pelo carteiro) sem levar em conta no meu sentir as nuanças do ato, deixando é verdade as ordens de força a cargo do Oficial de Justiça (Penhora, condução, remoção, arresto, sequestro etc).
De certo, causa perplexidade esse fato, pois o trabalho realizado pelo correio é realizado sem qualquer orientação ou preparo jurídico, e ainda paira falta de autoridade judicial para realização desse importante ato. Entretanto, não há qualquer questionamento quanto a constitucionalidade da norma ou sua adequação ao sistema processual nacional. Pelo contrário a jurisprudência é uníssona ao placitar o regulamentado na Lei. Cita-se:
STF, Ano 2012, Min. Luiz Fux:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL NÃO EXAMINADA. AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. ART. 323 DO RISTF C.C. ART. 102III§ 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROCESSUAL CIVIL. EXCESSO DE EXECUÇÃO. NULIDADE DE CITAÇÃO. LIMITE DE ALÇADA DOS JUIZADOS ESPECIAIS NÃO ULTRAPASSADO. FALTA DO NECESSÁRIO PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.1. (...) Os princípios da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da motivação das decisões judiciais, bem como os limites da coisa julgada, quando a verificação de sua ofensa dependa do reexame prévio de normas infraconstitucionais, revelam ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal, o que, por si só, não desafia a abertura da instância extraordinária. (...) Registre-se, por derradeiro, que as alegações de nulidade da citação, excesso de execução, e que o valor da execução ultrapassa o limite de alçada dos Juizados Especiais Cíveis, foram adequadamente solucionadas pelas instâncias ordinárias, como se pode depreender desse passo do voto condutor do acórdão recorrido fl. 198 verbis: "A alegação de nulidade do ato citatório é infundada e não merece acolhimento. (...)A correspondência de citação foi enviada a um dos endereços da parte recorrente e seu recebedor devidamente identificado, logo, presume-se ter sido aquele citado. Nesse sentido o enunciado n. 5 do Fórum Permanente de Juizados Especiais Cíveis e Criminais: “A correspondência ou contra-fé recebida no endereço da parte é eficaz para efeito de citação, desde que identificado o seu recebedor(...) Ex positis, NEGO SEGUIMENTO ao recurso extraordinário com agravo com fundamento no art. 21, § 1º, do RISTF. Publique-se. Intimações necessárias. Brasília, 13 de março de 2012.Ministro Luiz Fux Relator Documento (674647 SP , Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 13/03/2012, Data de Publicação: DJe-057 DIVULG 19/03/2012 PUBLIC 20/03/2012) (grifo Nosso)
ENUNCIADOS:
Enunciado nº 5 do FONAJE dispõe que:
" A correspondência ou contrafé recebida no endereço da parte é eficaz para efeito de citação, desde que identificado o seu recebedor. "
ENUNCIADO 41- A CORRESPONDÊNCIA OU CONTRA-FÉ RECEBIDA NO ENDEREÇO DO ADVOGADO É EFICAZ PARA EFEITO DE INTIMAÇÃO, DESDE QUE IDENTIFICADO O SEU RECEBEDOR. (NOVA REDAÇÃO APROVADA NO XXI ENCONTRO - VITÓRIA/ES).
TJRJ:
ENUNCIADO – AVISO TJ Nº SN23 - A CITAÇÃO POSTAL DE PESSOA FÍSICA CONSIDERA-SE PERFEITA COM A ENTREGA DE A.R. ÀS PESSOAS QUE RESIDAM EM COMPANHIA DO RÉU OU SEUS EMPREGADOS DOMÉSTICOS.
ENUNCIADO – ATO TJRJ Nº SN12 - ENUNCIADO 5 - A CORRESPONDÊNCIA OU CONTRAFÉ RECEBIDA NO ENDEREÇO DA PARTE É EFICAZ PARA EFEITO DE CITAÇÃO, DESDE QUE IDENTIFICADO O SEU RECEBEDOR.
ENUNCIADO – AVISO TJ Nº 46 A CITAÇÃO ESTARÁ APERFEIÇOADA COM A ENTREGA DO AR NO ENDEREÇO DA EXECUTADA, NÃO IMPORTANDO POR QUEM FOR ELE RECEBIDO.
ENUNCIADO – AVISO TJRJ Nº 32
9. A CITAÇÃO POSTAL ENTREGUE NO ENDEREÇO DA PESSOA FÍSICA E NO DA SEDE OU FILIAL DA PESSOA JURÍDICA FAZ PRESUMIR O CONHECIMENTO E A VALIDADE DO ATO.
JUSTIFICATIVA: REMANSADA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ASSIM TEM CONSIDERADO A QUESTÃO, À LUZ DA TEORIA DA APARÊNCIA. REF.: RESP 702.392/RS, STJ, 1ª TURMA, DJ DE 29/08/2005, P. 186. APCV 2006.001.03222, TJERJ, 17ª CÂMARA CÍVEL, JULGADA EM 22/02/2006. APCV 2005.001.28744, TJERJ, 3ª CÂMARA CÍVEL, JULGADA EM 21/03/2006
TJSP:
TJ-SP nº: 12. Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“A correspondência ou contrafé recebida no endereço da parte é eficaz para efeito de citação e intimação, desde que identificado o seu recebedor”.
Enunciados do IV Fojesp nº: 25:
“A correspondência ou contrafé recebida no endereço da parte é eficaz para efeito de citação e intimação, desde que identificado o seu recebedor”.
JURISPRUDÊNCIA:
TJDF:
JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECURSO INOMINADO. DIREITO CIVIL. CONTRATO VERBAL DE EMPRÉSTIMO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE DO ATO CITATÓRIO. REGULARIDADE DA CITAÇÃO. MATÉRIA COMPLEXA NÃO CARACTERIZADA. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. AUSÊNCIA DA P ARTE RÉ À AUDIÊNCIA DESIGNADA. EFEITOS DA REVELIA OPERADOS. FATOS INCONTROVERSOS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.1. PERMANECE VÁLIDA A CITAÇÃO EFETIVADA DE FORMA REGULAR, AINDA QUE ADIADA A AUDIÊNCIA DESIGNADA. NA HIPÓTESE, O RÉU FOI REGULAMENTE CITADO POR OFICIAL DE JUSTIÇA (FL. 26) E INTIMADO POR C ARTA, NO MESMO ENDEREÇO DA CITAÇÃO, PARA A NOVA AUDIÊNCIA DESIGNADA PARA 25/10/2011, AINDA QUE ATRAVÉS DE OUTRO MORADOR DA RESIDÊNCIA, COM 11 (ONZE) DIAS DE ANTECEDÊNCIA. PORTANTO, INEXISTE DEFEITO NO ATO CITATÓRIO, INCIDINDO NO CASO O DISPOSTO NO ENUNCIADO 5 DO FONAJE, SEGUNDO O QUAL"A CORRESPONDÊNCIA OU CONTRAFÉ RECEBIDA NO ENDEREÇO DA P ARTE É EFICAZ PARA EFEITO DE CITAÇÃO, DESDE QUE IDENTIFICADO O SEU RECEBEDOR". RECONHECIDA A VALIDADE DA INTIMAÇÃO REALIZADA À FL. 41. (...) 3. RÉU QUE, DEVIDAMENTE INTIMADO, NÃO COMPARECE À AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO, NEM JUSTIFICA TEMPESTIVAMENTE SUA AUSÊNCIA, SOFRE OS EFEITOS DA REVELIA, OCORRENDO A PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS FATOS NARRADOS NA INICIAL, SOBRETUDO SE GUARDAREM SINTONIA COM A VERSÃO APRESENTADA NA PETIÇÃO INICIAL E DOCUMENTOS A ELA ANEXADOS, COMO NA HIPÓTESE. 4. ACERTADA A DECISÃO QUE, RECONHECENDO OS EFEITOS DA REVELIA, COTEJANDO AS PROVAS CARREADAS AOS AUTOS (FL. 49), JULGA PROCEDENTE O PEDIDO DA INICIAL, NOS TERMOS DO ART. 20 DA LEI 9.099/95. 5. NO CASO CONCRETO, A AUTORA ALEGA TER VIVIDO RELACIONAMENTO AFETIVO COM O RÉU, DURANTE O QUAL CONCEDEU-LHE VÁRIOS EMPRÉSTIMOS, NÃO HAVENDO O DEVIDO ADIMPLEMENTO DA DÍVIDA, MESMO APÓS VÁRIAS TENTATIVAS DE ACORDO. O RÉU FOI DEVIDAMENTE CITADO E INTIMADO A COMPARECER AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO, INSTRUÇÃO E JULGAMENTO (FLS. 26, 37 E 41), PORÉM NÃO SE FEZ PRESENTE, NEM APRESENTOU JUSTIFICATIVA, FAZENDO ECLODIR CONTRA SI OS EFEITOS DA REVELIA, REPUTANDO-SE VERDADEIROS OS FATOS ARTICULADOS NA INICIAL, NA FORMA DO ART. 20 DA LEI 9.099/95. 6. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, COM SÚMULA DE JULGAMENTO SERVINDO DE ACÓRDÃO, NOS TERMOS DO ART. 46 DA LEI N. 9.099/95. CONDENADO O RECORRENTE VENCIDO AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, FIXADOS EM R$ 500,00 (QUINHENTOS REAIS), SUSPENSA A EXIGIBILIDADE EM RAZÃO DA JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA.209.099209.099469.099 (181316220118070003 DF 0018131-62.2011.807.0003, Relator: DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, Data de Julgamento: 17/04/2012, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Publicação: 19/04/2012, DJ-e Pág. 350)
TJMT:
RECEBIMENTO DA correspondência PELO FILHO DO RÉU. EFICÁCIA. PRAZO RECURSAL. RÉU REVEL. ART. 322 DO CPC. RECURSO INTEMPESTIVO. RECURSO NÃO CONHECIDO. " A correspondência ou contra-fé recebida no endereço da parte é eficaz para efeito de citação, desde que identificado o seu recebedor "(Enunciado n 05 do FONAJE) Contra o revel correrão os prazos independentemente de intimação (322 do CPC) (TJMT. 2º Turma Recursal. Recurso Cível Inominado nº 669/2006 Classe II - 1 – Juizado da Morada da Serra. Magistrado DR. NELSON DORIGATTI. Data de Julgamento 29/08/2006)
TJSP:
Revelia - Pessoa Física - Citação por AR - A entrega da carta, citatória na residência da ré, com aviso de recebimento firmado por pessoa identificada, torna efetivada a citação. É que a lei não exige a citação pessoal e a interpretação literal do inciso I do art. 18 da Lei 9.099/95 deixaria inócua a citação postai Nulidade não configurada. Revelia bem decretada." A correspondência ou contra-fé recebida no endereço da parte é eficaz para efeito de citação, desde que identificado o seu recebedor "1, bastando para essa Identificação o lançamento legível do nome ou o número de documento de Identidade a fim de que possibilite ao citado a prova de eventual irregularidade. A ausência de comparecimento da ré à audiência implica na presunção de veracidade dos fatos deduzidos em juízo. Ré que na direção do veículo da autora veio a chocá-lo com o portão da residência e com outro automóvel estacionado. Condenação pelo menor dos três orçamentos que se mostra razoável. Recurso não provido. .I189.099 (11090 SP , Relator: Maria Cristina Cotrofe Biasi, Data de Julgamento: 08/07/2008, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: 23/10/2008)
Dessa maneira, frente à jurisprudência dominante é incontroverso para permitir o tema a luz dos entendimentos judiciários no tocante a citação feita a terceira pessoa e não diretamente ao interessado ou réu. Portanto, é desnecessária a citação pessoal do réu como forma de eficácia do ato, e assenta-se como exceção à regra geral do Art. 215 do CPC.
Consoante indubitável que quando o carteiro chega na residência do intimando/citando pergunta se aquela pessoa reside naquele local e se se encontra. Caso positivo colhe a assinatura de quem estiver e devolve o A.R. positivo, pois foi recebido por alguém. Mas quem? E se negativo há justificativa fundamentada ou são aquelas opções do AR: 1) mudou-se; 2) endereço inexistente; 3) recusou-se a receber?
Caso seja a última situação terá autoridade o carteiro para compelir o indivíduo a se identificar? Certamente não, essa não é a atribuição do careteiro. Este profissional somente entrega o AR se recebido bem, se não recebido simplesmente devolve. Nesse caso, poderia decretar a revelia com base da recusa do recebimento? Parece temerário assim proceder pois se quer viria aos autos pelo correio o nome e identificação de quem se recusou.
Note-se que aqui a declaração do carteiro recebeu “veracidade” iuris tantum ao asseverar que ali residia fulano e que o documento foi recebido por terceiro, por um parente quiçá. Com todo respeito do pensamento diverso o ato do carteiro é meramente informativo por não gozar esse profissional de fé pública, não podendo ter tomado a forma de uma segurança razoável.
A prática forense revela infelizmente algo estarrecedor. Muita das vezes o carteiro é recebido por pessoas doentes, idosos, incapazes ou até mesmo imprudentes por assim dizer que recebem o A.R., firmam e depois se dão conta de que se quer conheciam tal pessoa. Essa pessoa que recebeu o AR não sabe que seu ato vai gerar uma consequência ao destinatário. No mesmo ponto de vista, o Sr. Carteiro que cumpriu seu dever, mas talvez induzido a erro, entregou o AR em local diverso, e o documento se quer chegará ao conhecimento do destinatário.
Imagine-se uma ação monitória ou execução que a citação para pagar é feita pelo correio na pessoa de terceiro. O executado somente saberá do processo quando tiver penhorada sua conta bancária, seu carro restrito etc. É por esse motivo que há de se ter muitíssimo cuidado com a citação por AR ao réu revel que é citado na pessoa de terceiro. É claro que há mecanismo de reduzir a instabilidade dessa modalidade. Refiro-me a coleta de dados do recebedor, pois aí o juiz poderá constatar se se trata de um parente, esposo, filho etc.
Ainda, e é bem verdade que na maioria dos casos as pessoas comparecem e como sabido independente da modalidade da citação. Assim, convalida-se o acto pelo comparecimento “espontâneo” da parte. Reitero o cuidado necessário ao réu revel citado ou intimado na pessoa de terceiro para realização de ato crucial de defesa no caso da intimação e para compor a lide no caso da citação. Situação que imporá ao intimando/citando a perempção e ou revelia.
Agora a questão paira se o Oficial de justiça pode proceder da mesma maneira que o carteiro? A resposta é desenganadamente sim!
Ora, se a lei conferiu ao carteiro que é: pessoa sem autoridade judicial, sem fé pública, sem qualquer vínculo com o judiciário, sem formação jurídica, é claro que o Oficial de Justiça autoridade qualificada e competente, com curso superior em direito, vinculado ao judiciário[5], também pode fazê-lo ainda com mais razão sem ofender qualquer dispositivo legal. Pelo contrário, atribui veracidade e legitimidade ao ato a ser realizado[6].
Certamente que na realização desse tipo de ato deve-se tomar determinadas precauções procedimentais, qual sejam anotar o nome, endereço, número de documento da terceira pessoa que recebeu a citação/intimação na residência da parte e outros dados disponíveis. Diferente do carteiro, o oficial de justiça possui um ato processual que é de sua prerrogativa exclusiva: a certificação.
E atualmente a atividade do oficial de justiça é eminentemente externa tanto por tradição histórica como pela própria natureza do cargo. Pode-se então dizer, que o Oficial de justiça foi um dos primeiros servidores a trabalhar no regime home office. E no caso específico dos Oficiais de Justiça, “seu office” é itinerante. Deve-se registrar que, a atividade do Oficial de Justiça recebe duas atribuições que lhe delineia a atividade.
A primeira é administrativa num primeiro momento (receber mandados, analisar juridicamente o ato a ser realizado, organizar diligencias, planejar rotas etc). Logo após vem a maior parte de sua atividade, que é o cumprimento externo dos mandados e por fim retorna à atividade interna administrativa, qual seja, a devolução, certificação circunstanciada dos mandados bem como sua entrega. Portanto, diferentemente dos demais servidores, o Oficial de justiça tem uma atividade dupla.
No que se refere a atividade externa, a própria legislação aponta a natureza externa do Oficial de Justiça a revelar a realização de diligencias. Assim assevera o NCPC:
Art. 154. Incumbe ao oficial de justiça:
- Fazer pessoalmente citações, prisões, penhoras, arrestos e demais diligências próprias do seu ofício, sempre que possível na presença de 2 (duas) testemunhas, certificando no mandado o ocorrido, com menção ao lugar, ao dia e à hora;
II - executar as ordens do juiz a que estiver subordinado;
III - entregar o mandado em cartório após seu cumprimento;
IV - auxiliar o juiz na manutenção da ordem;
V - efetuar avaliações, quando for o caso;
VI - certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes, na ocasião de realização de ato de comunicação que lhe couber.
Em outra quadra, no mesmo artigo 154 do CPC reside sua atuação “interna” administrativa. A atividade administrativa consiste na certificação das atas de diligências, onde o OJA narra ao Magistrado o ocorrido, e como o Oficial de justiça é (ou deveria ser) o longa manus do Juiz, cumpre-lhe assentar circunstanciadamente as citações encontradas e por ele observada no ato das diligências. Isso, com escopo de levar ao Magistrado uma visão além do gabinete, trazendo (ou tentando trazer) à sua Excelência a realidade fática vivida pelas partes (Ex. mandado de verificação ou constatação).
As referidas certidões por Lei têm enorme peso, vez que revelam uma espécie de “ inspeção judicial delegada”. Em outras palavras, é como se o Magistrado personificado no oficial se dirigisse até a casa do jurisdicionado para confirmar/ constatar que o que se alega no bojo dos autos é de fato a verdade. Portanto, existem esses dois vieses de atuação do Oficial de Justiça, um administrativo outro externo. Também não se pode desprezar uma característica que sobressalta na atividade do oficial de justiça que é a representatividade do Poder Judiciário, sendo este muitas das vezes, a única figura de autoridade estatal presente nos mais remotos rincões do Brasil, fato que não é difícil de ser comprovado.
Nessa linha, o que pretende assentar é que o oficial de justiça nesse ponto é muito mais confiável do ponto de vista de certeza jurídica que o carteiro. Isso porque, quando o oficial é diligente e zeloso produz uma certidão circunstanciada do ocorrido etc. Podendo inclusive repetir o ato com escopo de colher novas informações se for o caso. Consoante isto, é inegável a confiabilidade das informações do meirinho ante a do correio que apenas tem a obrigação de entregar a carta sem preocupação ou obrigação da formalidade e juridicidade do acto.
Em absoluto se está a dizer que se deva abandonar a prática do AR, contudo há caso e que a certeza do ato, a certeza da citação do réu escorregadio faz-se necessária a atuação do oficial, como nos casos de família por exemplo. Para tanto, com base no princípio da cooperação é importante que o autor informe ao juízo as circunstâncias do ato, requerendo se for o caso a citação por oficial. Isso de forma clara e justificando seu requerimento.
No que se refere aos advogados inova a jurisprudência nacional no que tange a intimação. Assim versa:
ENUNCIADO FONAJE Nº 41- A CORRESPONDÊNCIA OU CONTRA-FÉ RECEBIDA NO ENDEREÇO DO ADVOGADO É EFICAZ PARA EFEITO DE INTIMAÇÃO, DESDE QUE IDENTIFICADO O SEU RECEBEDOR. (NOVA REDAÇÃO APROVADA NO XXI ENCONTRO - VITÓRIA/ES).
ENUNCIADO – AVISO TJRJ Nº 33 - A INTIMAÇÃO DO ADVOGADO É VÁLIDA NA PESSOA DE QUALQUER INTEGRANTE DO ESCRITÓRIO, DESDE QUE IDENTIFICADO.
TJRJ - “A intimação do advogado, pessoalmente ou pela imprensa, para a prática de atos processuais, dispensa a da parte, inclusive para cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer”.
Ante o exposto, conclui-se que é legal e válida[7] a intimação ou citação de qualquer pessoa mesmo não sendo a parte ou seu procurador, ou seja, pela teoria da aparência admite-se que seja citado/intimado qualquer pessoa na residência da parte, no caso de Advogado, a secretária ou que no escritório labutar, mediante é claro da nota de recebimento[8].
Entretanto tem-se a ressalva de que caso à parte não residir mais naquele local ou não haver qualquer conhecimento por parte de quem atender o Oficial de Justiça. O mesmo cuidado deve ter o AR entregue na pessoa de terceiro e verificou o silencio do réu.
Parece ser razoável antes de decretar à revelia o juiz determinar a pesquisa do nome do recebedor afim de certificar-se que se trata de parente, caso não conste tal informação. Que se intime o autor para manifestar-se sobre o AR apontando se souber quem é o recebedor. Tudo isso para dar consistência e segurança para a decisão do magistrado.
Do outro lado, impedirá futuro pedido de nulidade processual considerado que o processo foi hígido. Destaca-se que toda celeridade obtida com a citação por AR pode vir por água baixo pela anulação dos atos processuais pós citação inválida. Devo destacar mais uma vez, a possibilidade por exemplo do Juiz ordenar a manifestação quanto ao AR, e a parte autora prestar informações inverídicas como asseverando ser o recebedor irmão, esposa, mãe do réu sem ser, só para o processo correr a seu favor. Notadamente, esse deverá ser condenado a litigância de má fé ou acto atentatório a justiça. Melhor dizer a verdade consoante o princípio da boa-fé.
De certo, existem outras posições que defendem o contrário, tendo essa postura jurisprudencial como uma afronta direta às garantias processuais e constitucionais. Existem argumentos tanto para placitar esse entendimento, quanto para fulmina-lo. Contudo, deve sempre o juiz ter cautela antes de prosseguir com o feito.
Na prática o procedimento já foi placitado. É verdade que quem possui condições de uma defesa técnica de qualidade para anular um processo com citação temerária não terá problemas. Do outro lado, o réu ou interessado mais pobre quiçá apenas amargará o prejuízo da ilegalidade ou erro judicial.
Por tal motivo, cada caso deve ser analisado com estrita aplicação do princípio da ampla defesa, contraditório, devido processo legal, não surpresa, cooperação processual etc. A cautela e técnica devem ser observadas.
Autor: Artur Félix*
O texto pode ser reproduzido reportando a autoria e fonte de extração.
*Graduado em Direito, pós graduando Direito Processual Civil. Atuante em: Direito Constitucional, Administrativo, tributário, consumidor e Civil e Processual Civil. Advogado, consultor jurídico e palestrante. Idiomas: Inglês, Espanhol, Italiano, e Português. Advogado no escritório Félix Novaes Advocacia

[1] Inclusive sendo a desistência da ação um ato que causa punição ao autor nos termos do art. 90 do CPC. Da mesma forma caso o réu ou interessado permaneça silente haverá reflexos de tal atitude.
[2] Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
[3] Art. 215 - Far-se-á a citação pessoalmente ao réu, ao seu representante legal ou ao procurador legalmente autorizado.
[4] Art. 2º - o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (...)
[5] “Art. 45. Não nomearemos juízes, oficiais de justiça, xerifes ou bailios, que desconheçam a Lei do Reino e não se disponham a observá-la. ” (CARTA MAGNA DE JOÃO SEM TERRA, ano 1215).
[6] “Nomeiem juízes e oficiais de justiça para cada uma de suas tribos em todas as cidades que o Senhor, o seu Deus, lhes dá, para que eles julguem o povo com justiça” (Deuteronômio, capítulo 16, versículo 18).
[7] AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO POSTAL COM AVISO DE RECEBIMENTO. ENTREGA NO ENDEREÇO DO DEVEDOR. RECEBIMENTO POR PESSOA DIVERSA. VALIDADE. Em se tratando de execução fiscal, considera-se válida a citação mediante a expedição de carta AR, ainda que assinada por pessoa diversa. Inteligência do artigo II, da LEF, no sentido de que a citação pelo correio se perfectibiliza com a entrega da carta no endereço do executado. Possibilidade do deferimento da penhora via BacenJud. Precedentes jurisprudenciais. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, DE PLANO. (Agravo de Instrumento Nº 70077741205, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 21/05/2018)
[8] Súmula STJ 429 “A citação postal, quando autorizada por lei, exige o aviso de recebimento”.

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