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sexta-feira, 10 de julho de 2020

Remoção de servidor por motivo de saúde é direito adquirido?

É oportuno que se deixe assentado que o instituto da remoção pode dar-se de três formas:
1) Por interesse da Administração, sendo vedado ao servidor perquirir a possibilidade.
2) A pedido puro e simples do servidor, e de concessão discricionária da Administração
3) E por fim, por motivo de saúde ou para o tratamento dela. Registrando que não importa se é a saúde do servidor ou de dependente deste.
As duas primeiras hipóteses se dão mediante ato discricionário da administração, já a última se dá por direito líquido e certo do servidor vez que se trata na espécie da hipótese de constitucionalização do Direito Administrativo (“ramo” que rege a matéria). A constitucionalização dos “ramos” de Direito têm aplicação vez que há a necessidade de que se garanta ao jurisdicionado o mínimo de direitos frente a máquina estatal.
Denota-se que é o que ocorre na questão (remoção), a incidência direta do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Direito a Vida, Direito a saúde e seu tratamento, em detrimento da discricionariedade do Poder público e seu interesse originário, daí diz -se que tal remoção é um direito do servidor. Direito esse que tem lastro constitucional, e mais ainda, visa garantir o seu direito de viver dignamente. Para tanto cita-se:
"Daí a primazia ao valor da dignidade humana, como paradigma e referencial ético, verdadeiro superprincípio a orientar o constitucionalismo contemporâneo, nas esferas local, regional e global, dotando-lhes especial racionalidade, unidade e sentido" (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos: Desafios da ordem Internacional Contemporânea in: Direitos Humanos. Curitiba: Juruá, 2007, vol. 1, p. 16- 18).
Para Robert Alexi,
"na sua perspectiva principiológica, a dignidade dapessoa humana atua, portanto - no que comunga das normas-princípio em geral -como um mandado de otimização, ordenando algo (no caso, a proteção e promoção da dignidade da pessoa) que deve ser realizado na maior medida possível, considerando as possibilidades fáticas e jurídicas existentes, ao passo que as regras contem prescrições imperativas de conduta" (ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997, p. 162). (grifei)
Cita-se:
MANDADO DE SEGURANÇA. REMOÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO POR MOTIVO DE SAÚDE. CONCESSÃO. Cuidando-se da hipótese de remoção precária de servidor público por motivo de saúde, mesmo que a pedido, não se cuida mais de ato discricionário da administracao pública, mas de direito do servidor (art. 36, III, b, Lei 8112/1990), pouco importando a existencia de vagas. (TRE-PR - MS: 77142 PR , Relator: LUCIANO CARRASCO FALAVINHA SOUZA, Data de Julgamento: 16/11/2011, Data de Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 21/11/2011)
MANDADO DE SEGURANÇA. ANALISTA DE FINANÇAS E CONTROLE. PEDIDO DE REMOÇÃO. DIREITO À SAÚDE. ART. 36PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO III, ALÍNEA B DA LEI 8.112/90. ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO. RECOMENDAÇÃO DA JUNTA MÉDICA OFICIAL. PRECEDENTES DO STJ. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PELA CONCESSÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA PARA DEFERIR A REMOÇÃO DA SERVIDORA DE BRASÍLIA/DF PARA A CIDADE DE BELO HORIZONTE/MG.1. A teor do art. 36 da Lei 8.112/90, nas hipóteses dos incisos I e II do art. 36 da Lei 8.112/90, a concessão de remoção é ato discricionário da Administração,ao passo que, nos casos enquadrados no inciso III, o instituto passa a ser direito subjetivo do Servidor, de modo que, uma vez preenchidos os requisitos, a Administração tem o dever jurídico de promover o deslocamento horizontal do Servidor dentro do mesmo quadro de pessoal.2. Em homenagem ao princípio de hermenêutica constitucional e da concordância prática, o disposto no art. 36, III, b da Lei 8.112/90 deve ser interpretado em harmonia com o que estabelecido no art. 196 do Texto Maior (direito subjetivo à saúde), ponderando-se os valores que ambos objetivam proteger.3. O Poder Público tem, portanto, o dever político-constitucional impostergável de assegurar a todos proteção à saúde, bem jurídico constitucionalmente tutelado e consectário lógico do direito à vida, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue, mormente na qualidade de empregador.4. Não obstante o argumento utilizado pela Controladoria Geral da União para indeferir o pedido de remoção da Servidora, a dizer, que o tratamento da patologia (depressão) pode ser realizado na própria cidade de lotação, há que considerar, na espécie em julgamento, o estado de saúde da impetrante, expressamente garantido pelo art. 196 da CF, que se encontra comprovadamente debilitado em razão de suas funções profissionais.5. A própria Junta Médica Oficial atestou a imperiosidade da transferência da Servidora para o Estado de origem para a eficácia do tratamento da patologia que, registre-se, tem cunho psicológico e justamente por isso seu trato não se resume a medidas paliativas de cunho medicinal.6. Ordem concedida para garantir a remoção da impetrante para Belo Horizonte/MG, nos termos da postulação.(MS 18391/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 21/08/2012)(grifamos)
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REMOÇÃO A PEDIDO INDEPENDENTEMENTE DO INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO. LEI Nº 8.112/90. 1. Conforme preceitua o art. 36, inciso III, b, da Lei 8112/90, o servidor público tem direito à remoção a pedido, independentemente do interesse da Administração, desde que seja por motivo de saúde do servidor, do cônjuge, do companheiro ou de dependente que viva á sua expensas, condicionado à comprovação por junta médica oficial. 2. Versando a causa sobre pedido de remoção de servidor público federal por motivo de sua própria saúde, e constando dos autos documentos comprobatórios da necessidade da medida, é de ser concedida a remoção. 3. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, às quais se nega provimento. (AMS 0002967-72.1999.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ AMILCAR MACHADO, PRIMEIRA TURMA, DJ p.19 de 10/11/2003)(grifamos)
Feita as considerações de práxis, depreende-se que inicialmente a pretensão (remoção por motivo de saúde) passa necessariamente pelo descrito no art. 196 da CRFB, onde assegura o direito a saúde e a seu tratamento. Por conseguinte, o instituto passa pelo dever da Administração reduzir os riscos que possam causar lesão ao seu jurisdicionado (no caso da Administração tenha ciência dos riscos), tal máxima que se funda no art.  XXII da CRFB, por fim, a proteção ao Direito a Vida art.  da CRFB, sendo que todos estes direitos-garantias estão contidos no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Na atualidade a dignidade da pessoa humana é encarada pelo direito pátrio como super princípio Segundo Alexandre Morais:
“Ao Estado cabe o dever de garantir a justiça e direitos de liberdade individual. A dignidade da Pessoa Humana atribui unidade aos direitos e garantias fundamentais, inerente às personalidades humanas afastando a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em função da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral intrínseco da pessoa, que se manifesta singularmente na sua autodeterminação consciente e responsável, trazendo consigo a pretensão ao respeito das demais pessoas, edificando um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, todavia sem menosprezar o merecimento das pessoas enquanto seres humanos.” Alexandre de Morais- Direito Constitucional – Editora Atlas, 2005 - página 16.
Ainda:
O dispositivo (texto) que reconhece a dignidade como princípio fundamental encerra normas que outorgam direitos subjetivos de cunho negativo (não-violação da dignidade), mas que também impõem condutas positivas no sentido de proteger e promover a dignidade, tudo a demonstrar a multiplicidade de normas contidas num mesmo dispositivo.” ANDRADE, Durval Ângelo. Direito de Ter Direitos: A mais valia dos desvalidos, vários autores. Belo Horizonte, 2009, p. 239.
Flávia Piovesan assevera com clareza :
(...) o valor da dignidade da pessoa humana impõem-se como núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional.”(grifei)
Dessa forma, é inegável a incidência do instituto na espécie, vez que a remoção traduz-se em medida protetiva tanto a vida do requerente, como garantia da dignidade no tratamento, e preservação de danos psicológicos do mesmo (requerente).
Ante o exposto, denota-se que provada a patologia ou essa preexistente, pendente de realização de exames complementares a Administração deve ser cautelosa a no sentido de resguardar não seu querer, mas o conjunto de garantias mínimas dispensadas ao ser humano. Ressaltando que a capacidade probatória pode ser dilatada caso se judicialize o pedido de remoção todo meio de prova será cabível não apenas o laudo da junta médica.
De certo que o referido laudo tem um peso maior, mas exames e laudos particulares servem para instruir uma demanda judicial, caso que não ocorre na via administrativa. Cita-se:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. REMOÇÃO A PEDIDO POR MOTIVO DE SAÚDE DE DEPENDENTE.COMPROVAÇÃO POR LAUDO MÉDICO PARTICULAR. CABIMENTO. LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. ART. 131 DO CPC. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.1. A alínea b do art. 36, parág. único, III da Lei 8.112/90 dispõe que o pedido de remoção por motivo de saúde de dependente não se subordina ao atendimento do interesse da Administração, bastando a comprovação por junta médica oficial, ou prova pericial, como é o caso. Trata-se, portanto, de questão objetiva.2. Neste caso, tem aplicação o princípio do livre convencimento judicial motivado (art. 131 do CPC), a permitir que o Juiz forme a sua convicção pela apreciação do acervo probatório disponível nos autos, não ficando vinculado, exclusivamente, à chamada prova tarifada, já em franco desprestígio, ou seja, aquela prova que a lei prevê como sendo a única possível para a certificação de determinado fato ou acontecimento3. Dest’arte, restou comprovado nos autos que a filha da recorrente possui problema de saúde que é agravado em razão das condições climáticas da cidade de Uruguaina/RS, fazendo jus, portanto, à remoção.4. Agravo Regimental da UNIÃO FEDERAL desprovido.(AgRg no REsp 1209909/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 20/08/2012) (grifamos)
Em outras palavras, pela largueza da dilação probatória nas vias judiciais, o requente tem mais espaço para fazer a prova, e na via administrativa não. Dessa forma, a Administração não pode nos casos de remoção por motivo de saúde ater-se tão somente a sua discricionariedade sem que tenha embasamento médico-cientifico para a decisão denegatória, vez que a questão de direito é superada pela imperatividade do direito – garantia em questão, quedando apenas para a Administração o controle da legalidade desse direito já consagrado. Por outro lado, não há que se declarar a incidência da garantia – direito ou direito – garantia, pois uma vez posta a questão fática e comprovada por documento médico, resta apenas o exercício do mesmo (do Direito).
Em termos claros o controle de legalidade feito pela Administração restringe-se apenas a verificar se há prova da patologia. Nesse ínterim, não cabe a Administração nem mesmo questionar o destino, ou como será feito o tratamento vez que tais atos são personalíssimos e inerente ao titular do direito – garantia, ficando para a Administração apenas para se manifestar se concede ou não a remoção. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL – REMOÇÃO A PEDIDO INDEPENDENTEMENTE DO INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO – LEI N. 8.112/90. 1. Conforme preceitua o art. 36, inciso III, b, da Lei n. 8112/90, o servidor público tem direito à remoção a pedido, independentemente do interesse da Administração, desde que seja por motivo de saúde do servidor, do cônjuge, do companheiro ou de dependente que viva às suas expensas, condicionado à comprovação por junta médica oficial. 2. A lei, no presente caso, apenas exige que a junta médica oficial comprove o motivo de saúde, não exigindo que esse laudo direcione a localidade onde o dependente precisa ser tratado. 3. Versando a causa sobre pedido de remoção de Auditor-Fiscal da Receita Federal da cidade de Campos dos Goitacazes-RJ para Nova Iguaçu/RJ, por motivo de sua própria saúde, em virtude de ser portador de retocolite ulcerativa, carecendo de tratamento especializado e, constando dos autos documentos comprobatórios da necessidade da medida, é de ser concedida a remoção. 4. Apelação e remessa oficial não providas. (AC 0010221-57.2003.4.01.3400 / DF, Rel. JUIZ FEDERAL MARK YSHIDA BRANDÃO, 1ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 p.314 de 28/02/2012)
Por isso, quando o servidor ingressa pleiteando tal direito, seja administrativa ou judicialmente esse somente deve promover a produção de prova da patologia, sendo dever da administração realizar a remoção. Uma vez que essa é a única exigência legal (prova da patologia). Portanto, caso, faça-se prova da patologia e a administração negue a remoção, e no decurso do tempo o servidor sofre agravamento da patologia ou tem um resultado morte por conta da falta de tratamento incorre a administração em responsabilidade civil.
Para os fins de coerência nos escritos, o prazo prescricional nesses casos se dá no momento em que a administração é noticiada da possibilidade de agravamento do quadro clínico por falta de tratamento, nega a remoção. A partir desse ato inicia-se o prazo prescricional. Há que se fazer uma consideração, quando o servidor ingressa requerendo a remoção o fundamento do pedido é o tratamento de saúde.
Em um segundo momento, após a decisão que nega a remoção, o requerente pede novamente a remoção com outro fundamento, a caracterização do agravamento ou a possibilidade deste. Denegada a remoção nesse segundo momento o pedido não será mais fundado no direito ao tratamento, que passará para o plano secundário, ficando em primeiro plano o agravamento da patologia.
Frente a isso, a meu sentir existem dois marcos para a prescrição, o primeiro fundado na questão administrativa - constitucional da remoção e o segundo na pretensão indenizatória decorrente da negativa de transferência em função do agravamento. Vislumbra-se que se tratam de questões distintas, ainda que nascidas do mesmo fato sociojurídico.
Autor: Artur Félix*
*Graduado em Direito, pós graduando Direito Processual Civil. Atuante em: Direito Constitucional, Administrativo, tributário, consumidor e Civil e Processual Civil. Advogado, consultor jurídico e palestrante. Idiomas: Inglês, Espanhol, Italiano, e Português. Advogado no escritório Félix Novaes Advocacia.

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